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ANÁLISE
Ruas e veredas se distanciam da norma culta
XICO SÁ
da Reportagem Local
"Mai, teco, táis me malassombrando?!", diz a "boyzinha" para o seu príncipe de Recife, São João do Cariri (PB),
Crato (CE), Picos (PI), Touros
(RN), Aracaju, Imperatriz
(MA), Juazeiro (BA) ou Maceió.
Com esse dialeto, que junta
uma onomatopéia recifense
(mai, teco), a paranormalidade
(assombração) e uma corruptela "anglo-comum-de-dois"
("boyzinha"), a moça quer saber apenas se existe interesse
do rapaz pelo seu amor, uma
coisa assim tão, como diríamos, acima do bem e do mal.
Cada vez mais comum, esse
tipo de linguagem, ainda longe
do alcance dos Pasquales (leia-se Cipro Neto, grande professor do "Nossa Língua Portuguesa", da TV Cultura) e de
qualquer dicionário, mostra
que a língua dos becos e veredas caminha léguas adiante dos
dicionários e de qualquer padronização do mercado.
A rua está sempre adiante da
norma culta, embora seja obrigatório, para efeito de escrita e
dominação, colocar os pingos
nos seus devidos lugares.
Com o dicionário de "nordestês", eternamente incompleto
por conta da velocidade, quase
romana, da língua pernambucana ou cearense, teremos apenas uma mostra folclórica da
capacidade de reinventar palavras desse povo.
²
Câmara Cascudo
Por mais que sejam popularizadas na região, as palavras
reinventadas ou expressões
-mais que batidas- irão ficar
sempre à margem dos novos
glossários nacionais. Dificilmente irão à escola.
O dicionário vale por juntar,
em um só volume, um pouco
do que já se publicou, desde
Câmara Cascudo (RN), Mário
Souto Maior (PE), Cego Aderaldo (CE) e Patativa do Assaré
(CE), sobre o vasto mundo do
palavreado que vai do sertão ao
cais do Nordeste.
Temos reuniões estaduais,
com termos baianos, pernambucanos, paraibanos e cearenses, mas nunca alguém havia
ousado reunir expressões de
toda a região.
É um belo registro o "Assim
Falava Lampião", mas sempre
com uma saudável dívida de
eterna "obra aberta". A cada
cerveja ou cachaça que se toma
no Beco do Vento, em Recife,
ou na feira de Arapiraca (AL),
inventa-se uma expressão nova
que corre rua, bairro, cidade,
Estado.
²
Comparação
O Nordeste não fala uma língua diferente. Longe disso. Mas
os nordestinos temperam a sua
conversa com expressões que
fogem do alcance de pessoas de
outras regiões.
Têm uma eterna necessidade
da comparação. Dificilmente
um nordestino fala da sua situação, seja boa, seja má, sem
uma metáfora.
Um cearense, sem ter o que
roer, não fala: "Estou sofrendo". Ele diz: "Estou passando
pior do que rato em casa de ferragem".
Um pernambucano não diz
que o cara é PhD em alguma
coisa. Ele fala simplesmente
que o sujeito é "o cão chupando
manga".
Ele diz mais. Fala que o rapaz
é um "tampa de Crush", "o bila", "a bala que matou Getúlio". Todas as opções anteriores valem o mesmo que o anedotário carioca registrou como
"o rei da cocada preta". Ou seja: o máximo.
Embora tenha um naco a
mais de humor, o nordestino
reinventa a língua tanto quanto
os "manos" da periferia de São
Paulo, que criaram, por exemplo, a palavra "busão" (o mesmo que lata de sardinha), a verdadeira "novilíngua", a pioneira globalização da periferia esquecida do capitalismo.
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