São Paulo, quinta, 24 de setembro de 1998

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TEATRO
Montagem, que hoje é encenada em Paris, Londres e Nova York, chega a SP em curta temporada no Alfa Real
"Arte' discute complexidade da amizade

CRISTIANO CIPRIANO POMBO
free-lance para a Folha


Marcos - Você não comprou esse quadro por 50 mil!
Sérgio - Eu sabia que você não ia entender.
Marcos - Você comprou essa merda por 50 mil?!
Sérgio - Como é que você pode dizer "essa merda"?
Marcos - Sérgio, um pouco de humor! Ria!... Ria, meu velho, é fantástico que você tenha comprado esse quadro!
Sérgio - Que você ache essa aquisição fantástica tanto melhor, que ela faça você rir, tudo bem, mas eu gostaria de saber o que você quer dizer com "essa merda".
Marcos - Você está brincando!
Sérgio - De jeito nenhum. "Essa merda" com relação a quê? Quando se diz que alguma coisa é uma merda, é porque se tem um critério de valor para avaliar essa coisa...
Esse diálogo, traduzido por Zélia do Vale Rezende Brosson, integra a peça "Arte", escrita pela dramaturga francesa Yasmina Reza, que atualmente tem faturado prêmios em todo o mundo e se firmado como um dos maiores fenômenos globalizados do teatro.
Em cartaz nas cidades de Paris, Londres e Nova York, hoje, sob a direção de Mauro Rasi (de "Pérola"), o espetáculo faz sua estréia nacional em São Paulo.
Em princípio, o nome da peça e o diálogo que parece levar a uma acirrada discussão acerca da arte são pretextos para a abordagem de algo mais complexo: as relações humanas.
Definida pelo diretor como comédia, "Arte" gira em torno da amizade de três personagens: o atacadista Ivan (Pedro Paulo Rangel), o dermatologista Sérgio (Paulo Gorgulho) e o engenheiro aeronáutico Marcos (Paulo Goulart).
A amizade dos três é abalada quando suas opiniões divergem em relação à compra de um quadro branco no valor de R$ 50 mil, colocando em questão o jogo de poder e competição na vida dos homens, suas fragilidades, relações entre si e com as mulheres.
"É um espetáculo sem nudez ou efeito especial, com destaque para a palavra e o trabalho do ator. Apesar do nome, não há o porre de conceitualizações sobre a arte, mas sim sobre a arte de viver", explica Mauro Rasi, que dirige pela primeira vez uma peça que não é de sua autoria. "Aceitei porque é um texto simples e brilhante. Algo que eu nunca teria escrito."
Segundo ele, a peça permite várias leituras, criando uma rede de identificações com o público, que vai da concepção dos personagens até a disposição do cenário.
"Ivan é conciliador, vive tentando apaziguar os amigos e é o mais criticado. Sérgio é sofisticado e liberal, enquanto Marcos é mais conservador. Nos três personagens temos traços de personalidade de uma mesma pessoa em diferentes momentos. Às vezes, é mais fácil avaliar uma obra de arte do que as relações humanas", diz.
A trama se completa com uma linguagem comum rebuscada, apartes -atores se dirigindo ao público- e o cenário -três cadeiras e uma mesa-, que está ligado aos personagens.
"Ivan tem uma poltrona mais simples, Marcos uma cadeira mais clássica e Sérgio algo com design mais moderno."
Para o dramaturgo, o desfecho é o grande diferencial: "A tensão se estende até o final, numa crescente, e a saída de Yasmina é fantástica, com poesia, sem babaquice".
Depois de São Paulo, a peça segue para o Rio de Janeiro.
²

Peça: Arte Quando: estréia hoje, às 21h; de quinta a sábado, às 21h; domingo, às 19h; até 18/10 Onde: teatro Alfa Real (r. Bento Branco de Andrade Filho, 722, tel. 5181-7333) Quanto: de R$ 15 a R$ 35 Patrocinador: Banco Real



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