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São Paulo, sexta-feira, 24 de outubro de 2003

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Shakespeare em 3D

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CIBERNOVELA Telas do jogo "The Sims", de Will Wright, em que o jogador desempenha tarefas cotidianas criando histórias, um dos exemplos dados por Janet H. Murray em "Hamlet no Holodeck" para os novos rumos da narrativa nos meios digitais

DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Imagine uma pintura se rasgando para alcançar a terceira dimensão. Assim a pesquisadora americana Janet H. Murray, 57, define o atual estágio da narrativa no ciberespaço: "Ela está absorvendo todas as convenções das velhas mídias, mas também inventa as suas próprias convenções e formas".
A especulação parte de "Hamlet no Holodeck", um dos primeiros livros a tratar das cibernarrativas, lançado em 1997 nos EUA e agora no Brasil, numa parceria da editora Unesp e do Itaú Cultural.
Cibernarrativa ou "ciberdrama", como prefere a autora, refere-se à "reinvenção do próprio ato de contar histórias para o novo meio digital". Em outras palavras, como usar a estrutura de hyperlinks possibilitada pela internet e a interatividade dos games de última geração para ampliar os limites da narrativa convencional.
Misturando evolução tecnológica com a linha do tempo da ficção, a ex-programadora da IBM com doutorado em literatura pela Universidade de Harvard busca no escritor Jorge Luís Borges (1899-1986) e no cineasta Frank Capra (1897-1991) as primeiras experiências formais com "histórias multiformes", em que várias tramas simultâneas são exibidas.
"A diferença é que o computador nos permite navegar através da história. Os contos de Borges são, para mim, semeadores ou os pioneiros nesse tipo de narrativas que agora têm um novo meio para elas", diz a pesquisadora, que atualmente leciona no Instituto de Tecnologia da Geórgia, EUA.
Um exemplo recente seria o jogo "Grand Theft Auto", da Rockstar Games, que coloca o jogador na pele de um bandido de aluguel em uma Miami repleta de personagens de filmes de gângsteres, garotas de biquíni, carrões luxuosos e uma trilha sonora impecável de hits dos anos 80. Cabe ao jogador -"interator", corrigiria Murray- escolher o que, quando e como fazer dentro da trama.
"Eu chamaria "GTA" de uma narrativa interativa. As fronteiras entre os diferentes gêneros [cinema, games, histórias, simuladores] estão erodindo. Há muita controvérsia nos meios acadêmicos sobre a separação entre "jogos" e "histórias", mas isso é útil, pois precisamos de um vocabulário crítico para lidar com os games."
Estudiosa de Shakespeare -daí "Hamlet no Holodeck", referência à máquina de realidade virtual de "Jornada nas Estrelas"-, a autora já espera até um "ciberbardo". Um exemplo disso seria Will Wright, criador dos jogos "Sim City" e "The Sims". "Ele é definitivamente o autor da sua obra e a molda de acordo com a sua visão de mundo particular", defende.
""The Sims" provou que milhões jogariam um jogo que tem tarefas como cuidar dos filhos, mobiliar a casa ou se manter num emprego, em vez de lutar e matar."
Outra aposta de Murray é a TV interativa, que permitirá ao público navegar por vários pontos de vista de um mesmo assunto num documentário ou escolher que personagens seguir em um "reality show".
"A fusão que Nicholas Negroponte há muito previa está diante de nós: computador, televisão e telefone estão se transformando num único aparelho doméstico", escreve, citando o fundador da revista "Wired" que, nos anos 60, previra que o mundo dos átomos seria convertido em um mundo de bits.
Dando ao computador a função de câmera do século 21, Murray completa: "O computador agora é um novo meio, assim como o filme foi. E só os estudos vão ajudar a criar, da mesma maneira que as escolas de cinema dos anos 50 ajudaram, uma cinematografia mais sofisticada e independente".

HAMLET NO HOLODECK. De: Janet H. Murray. Lançamento: Unesp e Itaú Cultural. Preço: R$ 32 (288 págs.)


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