São Paulo, quarta-feira, 24 de outubro de 2007

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Crítica/"El Otro"

Argentino retrata angústia da identidade

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Dizer que Ariel Rotter é um Antonioni argentino seria um tremendo exagero. Mas em "El Otro", seu segundo longa-metragem, encontramos muitos pontos em comum com o cinema do mestre italiano: um certo tom contemplativo, uma atenção especial ao espaço e ao tempo, o tema da identidade pessoal, a angústia latejando em cada plano. Uma sinopse possível: Juan Desouza (Julio Chávez, melhor ator no Festival de Berlim), portenho de classe média, provavelmente corretor de imóveis ou advogado, faz uma viagem de trabalho a uma cidadezinha do interior.
Desouza deveria voltar no mesmo dia, mas, ao compreender que seu vizinho de poltrona no ônibus não acordará nunca mais, decide roubar o nome do outro e assumir para si uma nova identidade e uma nova profissão.
A circunstância remete imediatamente a "O Passageiro -Profissão: Repórter", de Antonioni. Mas não nos apressemos: em poucas horas, Desouza adotará outros nomes e ofícios, como se tentasse recuperar num único dia todas as vidas que deixou de viver nos últimos 20 anos.
À deriva numa cidade que desconhece, o personagem se reinventa a cada passo. O espectador vai junto, descobrindo com ele o fascínio renovado das coisas cotidianas.
Nessa peregrinação sem destino, há vários esboços de situações eróticas, nas quais o objeto do desejo sempre se mostra esquivo, prestes a se entregar ou a desaparecer. Um clima semelhante ao do "Breve Romance de Sonho", de Arthur Schnitzler, que inspirou "De Olhos Bem Fechados", de Kubrick.
Ariel Rotter, de 36 anos, é mais um cineasta argentino cujo nome vale a pena reter, ao lado de Lucrecia Martel, Pablo Trapero, Daniel Burman e uns tantos outros. Pratica um cinema discretamente sofisticado, feito de concisão, despojamento e silêncio.
Longas seqüências sem diálogos e sem música, primazia absoluta da imagem e uma sensibilidade particular para os sinais emitidos pelo corpo. Não por acaso, as primeiras cenas do filme são de um teste de visão e, em seguida, de um teste de gravidez. Para Rotter, é o corpo que revela os tormentos da alma.


EL OTRO
Direção:
Ariel Rotter
Produção: Argentina, França, Alemanha, 2007
Com: Julio Chávez e Osvaldo Bonet
Quando: hoje, 18h40, no Unibanco Arteplex 1; amanhã, 16h20, no Cine Bombril 1; dia 27, 16h40, na Cinemateca-BNDES; dia 29, 20h20, HSBC Belas Artes 2
Avaliação: ótimo

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