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Artigo
Não cabe à crítica querer educar o cinema
LEON CAKOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA
As evidências são flagrantes. Há menos espectadores seguindo
críticos, e há menos críticos
empenhados na formação de
platéias. Críticos e cinéfilos
precisam reaprender que filmes e seus autores podem existir independentemente de suas
opiniões. Críticos e cinéfilos
precisam parar de querer educar os cineastas com suas opiniões ou desconsiderações excludentes.
Vamos promover uma discussão sadia e necessária. Afinal, sem os críticos não haveria
história do cinema. O cinema
escrito e pensado é também
base de nossa formação e muitas vezes ajuda a traduzir o que
não vemos.
Críticos devem conduzir filmes e seus pensamentos com
as fragilidades requeridas. Não
devem entregar produtos aos
consumidores finais já destruídos na embalagem. Devem deixar a própria vida sedimentar
os fragmentos de filmes que
dão base a nossos conceitos e
sabedorias. Os filmes devem
voltar a ser vistos como materiais de construção.
Não é por acaso essa discussão sobre a crise da crítica e da
cinefilia. A 31ª Mostra Internacional de Cinema lança (em
parceria com a editora Cosac
Naify) "A Rampa", com textos
exemplares do crítico Serge
Daney (1944-1992), escritos
entre 1970 e 1982 para os
"Cahiers du Cinéma".
Para embasar essa discussão,
conseguimos reunir os dois
elos do movimento que significou o resgate da credibilidade
da mítica revista francesa com
os seus leitores-cinéfilos. Os
prefácios de "A Rampa" são assinados por Serge Toubiana,
contemporâneo de Redação de
Daney, hoje presidente da Cinemateca e do Museu de Cinema de Paris, e por Jean-Michel
Frodon, atual redator-chefe
dos "Cahiers".
Toubiana vê em Daney o seu
ponto forte pela "capacidade
de inventar e unir, a partir da
visão de um filme, um corpo-linguagem que permita dialogar com o autor, transcender a
visão subjetiva do filme e conduzi-la a um nível de inteligência superior".
O que Serge Daney fez é
exemplar. Ele limpou os templos do cinema de seus profanadores, dos afetados ideológicos que nem sequer permitiam
a divulgação de fotos como os
talebans de hoje. Daney resgatou a vocação dos "Cahiers"
com textos apaixonados por cinema ao reagir contra uma Redação afetada pelas infantilices
ideológicas, precisamente do
nefasto maoísmo e sua raivosa
revolução cultural excludente.
Graças à coragem de Daney,
Frodon herdou uma revista
mais livre de preconceitos. Ainda experimental, mas aberta a
todos os segmentos do cinema.
E é dele a observação no livro
de que o "canteiro de obras teórico" de Daney recompôs a
rampa que separava o palco/tela das platéias.
Vítimas da crítica
Mas a discussão não se encerra com os bons exemplos do
passado e suas heranças. Vamos ver o que acontece dentro
da própria seleção da 31ª Mostra, onde temos um novo filme
de Manoel de Oliveira e um novo de Claude Lelouch.
Ambos fazem quase que um
filme por ano, só que Oliveira
não faz o sucesso que merece, e
Lelouch faz (o sucesso que merece). Ambos são vítimas de
uma boa parcela da crítica, inconformada com as suas existências. Só que o insucesso de
Oliveira se consegue justificar,
e o sucesso de Lelouch, não.
É óbvio que Manoel de Oliveira não faz um filme primoroso do ponto de vista dos que
têm o cinema como referência
de ação. Mas ele é um pensador
que se vale do cinema como
instrumento de reflexão. Há
críticos que fazem chacota de
Oliveira e de seus defensores,
como se fôssemos sustentáculos de uma mentira indefensável. Num outro segmento há
críticos inconformados com
sucessos que fogem de seu
controle.
E é obvio que Claude Lelouch, embora faça um cinema
primoroso, apegado a emoções,
desagrade a uma categoria de
críticos inconformados pela
traição das platéias à sua cartilha de verdades dogmáticas.
Pode haver absurdo maior do
que críticos ignorarem um autor como Claude Lelouch por
ele fazer sucesso de público,
contrariando todas as suas vontades? A própria Folha se recusou a pautar uma entrevista
com Lelouch nesta sua passagem pela Mostra.
Não existe nem "crise de cinefilia", muito menos "perda
da credibilidade da crítica",
contesta-me o crítico da Folha
Cássio Starling Carlos no caderno Mais! de 14/10. Como
prova, cita revistas e sítios na
internet "com uma produção
inquieta e estimulante de
idéias". Sugiro que, na sua próxima resenha de um filme de
Lelouch, ele dê um link a esses
endereços que ousaram ouvir o
que Lelouch tem a dizer sobre
afeição pelo cinema.
LEON CAKOFF é diretor da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
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