São Paulo, quarta-feira, 24 de outubro de 2007

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Artigo

Não cabe à crítica querer educar o cinema

LEON CAKOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA

As evidências são flagrantes. Há menos espectadores seguindo críticos, e há menos críticos empenhados na formação de platéias. Críticos e cinéfilos precisam reaprender que filmes e seus autores podem existir independentemente de suas opiniões. Críticos e cinéfilos precisam parar de querer educar os cineastas com suas opiniões ou desconsiderações excludentes.
Vamos promover uma discussão sadia e necessária. Afinal, sem os críticos não haveria história do cinema. O cinema escrito e pensado é também base de nossa formação e muitas vezes ajuda a traduzir o que não vemos.
Críticos devem conduzir filmes e seus pensamentos com as fragilidades requeridas. Não devem entregar produtos aos consumidores finais já destruídos na embalagem. Devem deixar a própria vida sedimentar os fragmentos de filmes que dão base a nossos conceitos e sabedorias. Os filmes devem voltar a ser vistos como materiais de construção.
Não é por acaso essa discussão sobre a crise da crítica e da cinefilia. A 31ª Mostra Internacional de Cinema lança (em parceria com a editora Cosac Naify) "A Rampa", com textos exemplares do crítico Serge Daney (1944-1992), escritos entre 1970 e 1982 para os "Cahiers du Cinéma".
Para embasar essa discussão, conseguimos reunir os dois elos do movimento que significou o resgate da credibilidade da mítica revista francesa com os seus leitores-cinéfilos. Os prefácios de "A Rampa" são assinados por Serge Toubiana, contemporâneo de Redação de Daney, hoje presidente da Cinemateca e do Museu de Cinema de Paris, e por Jean-Michel Frodon, atual redator-chefe dos "Cahiers".
Toubiana vê em Daney o seu ponto forte pela "capacidade de inventar e unir, a partir da visão de um filme, um corpo-linguagem que permita dialogar com o autor, transcender a visão subjetiva do filme e conduzi-la a um nível de inteligência superior".
O que Serge Daney fez é exemplar. Ele limpou os templos do cinema de seus profanadores, dos afetados ideológicos que nem sequer permitiam a divulgação de fotos como os talebans de hoje. Daney resgatou a vocação dos "Cahiers" com textos apaixonados por cinema ao reagir contra uma Redação afetada pelas infantilices ideológicas, precisamente do nefasto maoísmo e sua raivosa revolução cultural excludente.
Graças à coragem de Daney, Frodon herdou uma revista mais livre de preconceitos. Ainda experimental, mas aberta a todos os segmentos do cinema.
E é dele a observação no livro de que o "canteiro de obras teórico" de Daney recompôs a rampa que separava o palco/tela das platéias.

Vítimas da crítica
Mas a discussão não se encerra com os bons exemplos do passado e suas heranças. Vamos ver o que acontece dentro da própria seleção da 31ª Mostra, onde temos um novo filme de Manoel de Oliveira e um novo de Claude Lelouch.
Ambos fazem quase que um filme por ano, só que Oliveira não faz o sucesso que merece, e Lelouch faz (o sucesso que merece). Ambos são vítimas de uma boa parcela da crítica, inconformada com as suas existências. Só que o insucesso de Oliveira se consegue justificar, e o sucesso de Lelouch, não.
É óbvio que Manoel de Oliveira não faz um filme primoroso do ponto de vista dos que têm o cinema como referência de ação. Mas ele é um pensador que se vale do cinema como instrumento de reflexão. Há críticos que fazem chacota de Oliveira e de seus defensores, como se fôssemos sustentáculos de uma mentira indefensável. Num outro segmento há críticos inconformados com sucessos que fogem de seu controle.
E é obvio que Claude Lelouch, embora faça um cinema primoroso, apegado a emoções, desagrade a uma categoria de críticos inconformados pela traição das platéias à sua cartilha de verdades dogmáticas. Pode haver absurdo maior do que críticos ignorarem um autor como Claude Lelouch por ele fazer sucesso de público, contrariando todas as suas vontades? A própria Folha se recusou a pautar uma entrevista com Lelouch nesta sua passagem pela Mostra.
Não existe nem "crise de cinefilia", muito menos "perda da credibilidade da crítica", contesta-me o crítico da Folha Cássio Starling Carlos no caderno Mais! de 14/10. Como prova, cita revistas e sítios na internet "com uma produção inquieta e estimulante de idéias". Sugiro que, na sua próxima resenha de um filme de Lelouch, ele dê um link a esses endereços que ousaram ouvir o que Lelouch tem a dizer sobre afeição pelo cinema.


LEON CAKOFF é diretor da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.


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