São Paulo, sexta-feira, 24 de outubro de 2008

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Verdades & mentiras

Roteirista de "Última Parada- 174", baseado em episódio real, Bráulio Mantovani diz que é prerrogativa do autor de ficção inventar para que história soe verdadeira

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

"A verdade da ficção se conta com mentiras. O que interessa [na ficção] é que a história seja verdadeira, não que ela seja real", afirma o roteirista Bráulio Mantovani, 45.
É de Mantovani o roteiro de "Última Parada -174", de Bruno Barreto, que estréia hoje em 135 salas e tem a inusitada característica de ser uma ficção derivada de um documentário.
Ao ver a trajetória de Sandro Nascimento, o seqüestrador do coletivo 174, no Rio de Janeiro, narrada (à maneira de um thriller) pelo cineasta José Padilha no documentário "Ônibus 174" (2002), Barreto enxergou ali um drama a ser filmado.
O documentário de Padilha revela que Nascimento vira a mãe ser assassinada quando ele era criança e mantinha uma relação de filho com uma mulher que perdera seu próprio filho -seqüestrado na infância.
O diretor propôs a Mantovani que escrevesse uma história sobre a busca paralela de um filho pela figura da mãe e de uma mãe pelo filho desaparecido.

"Plot"
"Esse "plot" [enredo] me pegou. Eu quis contar essa história", diz o roteirista. Antes de escrever sua ficção, Mantovani procurou conhecer dona Elza, a mulher que, na vida real, tratou Nascimento como seu filho.
"Não foi propriamente uma conversa. Ela estava deprimida. Falava muito baixo, apenas para si mesma", descreve ele.
O único momento em que dona Elza foi assertiva, conta Mantovani, foi quando ele mencionou que o teste de DNA provara que Nascimento não era seu filho. Ela riu desdenhosamente dessa "verdade".
O encontro fez Mantovani se debater com uma convicção que tinha. Achava que, para um roteirista de ficção, "é irrelevante se a matriz de uma história tem sua origem em acontecimentos reais ou em um romance ou em um sonho ou em qualquer outra coisa".

"É nosso trabalho"
Por envolver pessoas que ainda estavam vivas, como dona Elza, ele saiu dali com interrogações: "Tenho o direito?"; "É correto?". Em seu socorro (ou no de sua convicção), vieram as palavras do roteirista norte-americano William Goldman ("Butch Cassidy e Sundance Kid"), no livro "Which Lie Did I Tell?" (que mentira eu contei?).
Afirma Goldman: "Contadores de histórias contam mentiras também. É preciso. Somos cercados por idéias de histórias, mas elas precisam de colorido, forma, começo, ápices: este é o nosso trabalho".
Embora Mantovani não tenha a questão "totalmente resolvida", ele está seguro de uma coisa: "As mentiras que contei produziram um efeito de verdade", afirma.
Entre as "mentiras" do roteirista no filme estão a inclusão de dois personagens centrais na história de Sandro (Michel Gomes) -Alê Monstro (Marcello Melo Jr.), que alterna os papéis de amigo e rival, e Soninha (Gabriela Luiz), a prostituta por quem ele se apaixona. Marisa (Cris Vianna), a mãe, é apenas "inspirada em dona Elza", afirma Mantovani.
"Última Parada - 174" é o aspirante do Brasil na corrida pelo Oscar 2009 de melhor filme estrangeiro. Mantovani, indicado à estatueta pelo roteiro de "Cidade de Deus", adaptado do livro homônimo de Paulo Lins, afirma não saber se o novo trabalho será classificado como roteiro original ou adaptado.
"Mas ele foi feito com o espírito de um roteiro original", diz. O mesmo vale no roteiro que escreve atualmente para Toniko Melo. "Vips" baseia-se numa história real, a do falsário que se passava por herdeiro da Gol, contada no livro "Vips - Histórias Reais de um Mentiroso", de Mariana Caltabiano, que fez versão inicial do roteiro.


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