|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Verdades & mentiras
Roteirista de "Última Parada- 174", baseado em episódio real, Bráulio Mantovani diz que é prerrogativa do autor de ficção inventar para que história soe verdadeira
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
"A verdade da ficção se conta
com mentiras. O que interessa
[na ficção] é que a história seja
verdadeira, não que ela seja
real", afirma o roteirista Bráulio Mantovani, 45.
É de Mantovani o roteiro de
"Última Parada -174", de Bruno
Barreto, que estréia hoje em
135 salas e tem a inusitada característica de ser uma ficção
derivada de um documentário.
Ao ver a trajetória de Sandro
Nascimento, o seqüestrador do
coletivo 174, no Rio de Janeiro,
narrada (à maneira de um thriller) pelo cineasta José Padilha
no documentário "Ônibus 174"
(2002), Barreto enxergou ali
um drama a ser filmado.
O documentário de Padilha
revela que Nascimento vira a
mãe ser assassinada quando ele
era criança e mantinha uma relação de filho com uma mulher
que perdera seu próprio filho
-seqüestrado na infância.
O diretor propôs a Mantovani que escrevesse uma história
sobre a busca paralela de um filho pela figura da mãe e de uma
mãe pelo filho desaparecido.
"Plot"
"Esse "plot" [enredo] me pegou. Eu quis contar essa história", diz o roteirista. Antes de
escrever sua ficção, Mantovani
procurou conhecer dona Elza, a
mulher que, na vida real, tratou
Nascimento como seu filho.
"Não foi propriamente uma
conversa. Ela estava deprimida.
Falava muito baixo, apenas para si mesma", descreve ele.
O único momento em que
dona Elza foi assertiva, conta
Mantovani, foi quando ele
mencionou que o teste de DNA
provara que Nascimento não
era seu filho. Ela riu desdenhosamente dessa "verdade".
O encontro fez Mantovani se
debater com uma convicção
que tinha. Achava que, para um
roteirista de ficção, "é irrelevante se a matriz de uma história tem sua origem em acontecimentos reais ou em um romance ou em um sonho ou em
qualquer outra coisa".
"É nosso trabalho"
Por envolver pessoas que
ainda estavam vivas, como dona Elza, ele saiu dali com interrogações: "Tenho o direito?";
"É correto?". Em seu socorro
(ou no de sua convicção), vieram as palavras do roteirista
norte-americano William
Goldman ("Butch Cassidy e
Sundance Kid"), no livro
"Which Lie Did I Tell?" (que
mentira eu contei?).
Afirma Goldman: "Contadores de histórias contam mentiras também. É preciso. Somos
cercados por idéias de histórias, mas elas precisam de colorido, forma, começo, ápices: este é o nosso trabalho".
Embora Mantovani não tenha a questão "totalmente resolvida", ele está seguro de uma
coisa: "As mentiras que contei
produziram um efeito de verdade", afirma.
Entre as "mentiras" do roteirista no filme estão a inclusão
de dois personagens centrais
na história de Sandro (Michel
Gomes) -Alê Monstro (Marcello Melo Jr.), que alterna os papéis de amigo e rival, e Soninha
(Gabriela Luiz), a prostituta
por quem ele se apaixona. Marisa (Cris Vianna), a mãe, é apenas "inspirada em dona Elza",
afirma Mantovani.
"Última Parada - 174" é o aspirante do Brasil na corrida pelo Oscar 2009 de melhor filme
estrangeiro. Mantovani, indicado à estatueta pelo roteiro de
"Cidade de Deus", adaptado do
livro homônimo de Paulo Lins,
afirma não saber se o novo trabalho será classificado como
roteiro original ou adaptado.
"Mas ele foi feito com o espírito de um roteiro original", diz.
O mesmo vale no roteiro que
escreve atualmente para Toniko Melo. "Vips" baseia-se numa
história real, a do falsário que
se passava por herdeiro da Gol,
contada no livro "Vips - Histórias Reais de um Mentiroso",
de Mariana Caltabiano, que fez
versão inicial do roteiro.
Texto Anterior: Cinema: Festival no Amazonas recebe Claude Lelouch Próximo Texto: Crítica: Longa é mais uma visão sobre a marginalidade Índice
|