SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Uma cena de extrema violência -mais psicológica do que física- abre "Última Parada 174". Até mesmo o espectador que por acaso entrar na sala sem saber do que se trata perceberá que começa ali uma representação de vidas sofridas (e ponha sofrimento nisso) em cenário de pobreza e quase nenhuma perspectiva.
Para quem considera esgotada a cota de produções nacionais recentes em torno dessas coordenadas, o incômodo com a seqüência inicial tenderá a se estender por todo o filme. É provável que prevaleça, nessa fatia menos paciente do público, a sensação de que as reiterações superam as novidades.
Se "Última Parada 174" vencer essa barreira muito pessoal, a da predisposição em se envolver com outro olhar sobre a marginalidade social de parcela considerável da população, terá a chance de explicar a que veio com a recriação ficcional de personagens de "Ônibus 174" (2002), de José Padilha.
Como o desfecho do episódio é conhecido (e respeitado pelo filme), o suspense é deslocado para uma hipotética bifurcação da história verídica: se a desgraça de Sandro for também a da mãe que se perdeu do filho, seria possível um reencontro?
Assim, o seqüestro adquire outro sentido na trama -e talvez fosse dispensável que "Última Parada 174" dedicasse minutos do clímax à reconstituição do cerco policial e do circo midiático no Jardim Botânico, em que "Ônibus 174" é insuperável.
A idéia de descontrole e explosão que se trabalha nessa seqüência de final anunciado sublinha um dos sentimentos dominantes do filme, a dor transformada em raiva por Sandro, mas tamanha intensidade reduz um pouco a força do que há de fabular nessa versão ficcional: o sofrimento de mãe, sereno e profundo, e a estranha (mas um tanto esquematizada) música do acaso que o embala.