São Paulo, sábado, 24 de novembro de 2001

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CRÍTICA

Pai do Brasil "moderno"?

DO ENVIADO AO RIO

O painel que "Bastidores" traça da vida de Cauby Peixoto é útil e importante menos para biografá-lo que para redimensionar o significado incômodo guardado há 50 anos (e até hoje) numa das figuras mais esdrúxulas deste país tropical.
Em primeiro lugar, fica do livro (apesar da excessiva paixão que o autor faz transbordar de seu passeio pela vida do artista) a noção (bastante plausível) de que Cauby foi um dos maiores cantores brasileiros de todos os tempos, mas aprisionado num repertório que não tinha direção alguma.
Cauby cantava o que lhe passasse pela frente, fosse no espírito mais cool do jazz ou da mais deslavada cafonice. Tudo isso sempre coube num jarro só e está presente até em discos que o livro defende como essencialmente "chiques", como "Cauby! Cauby!" (80), que promoveu a inusitada (e incomum) renascença de um dos muitos artistas "antigos" que haviam sido soterrados por sucessivas avalanches (bossa nova, jovem guarda, tropicália).
Viajando entre os dois extremos, ele era a improbabilidade, e provou o impossível: existia. Daí vêm as grandes revelações de "Bastidores", que o tom às vezes simplório do livro não prejudica.
O que se esqueceu sobre Cauby é que ele foi um ídolo de massa, um beatle, um Michael Jackson, um menudo, guardadas todas as proporções. Mais que isso, peitava corajosamente, já em 54, a encrenca de sua sexualidade, er, pouco convencional.
Hoje se sabe que Juscelino Kubitschek e a bossa nova modernizaram o Brasil no final dos anos 50, e todo mundo se lembra da convulsão sexual que Ney Matogrosso e seus Secos & Molhados causaram no Brasil dos anos 70.
Ironicamente, andava esquecido que em algum nó entre a construção de Brasília e o desbunde embalado por tortura e assassinato houve um pioneiro colorido, caricatural, talvez o pai meio ridículo de muito do que houve de transformação comportamental e cultural no Brasil "moderno".
"Bastidores", com excessos e descuidos, pode até parecer livro de fofoca malcontada. Mas trazer à tona esse pedaço incômodo do passado recente do Brasil é mérito para ninguém botar defeito.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Bastidores - Cauby Peixoto - 50 Anos da Voz e do Mito
   
Autor: Rodrigo Faour
Editora: Record
Quanto: R$ 49 (506 págs.)



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