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Cinema - Crítica
"C.R.A.Z.Y." cativa ao retratar anos 70
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Reza a lenda recontada
por quem já esteve quase "lá" que na hora da
morte a gente revê a vida passar
"como se fosse um filme". Resta saber se essa "experiência"
não se tornou comum depois
que o cinema foi inventado,
mas o que não falta são filmes
que contam a vida de um personagem com começos, meios e,
às vezes, fim.
"C.R.A.Z.Y. - Loucos de
Amor" segue essa estrutura que
todo mundo conhece. A diferença é que não só a vida que
conta é muitíssimo interessante, como o modo de apresentá-la torna o filme no mínimo
muito prazeroso de assistir.
Um fator essencial para obter esse efeito é a eficácia diabólica do roteiro, assinado também pelo próprio diretor, o canadense Jean-Marc Vallée. Do
nascimento, na noite de Natal
de 1960, até chegar aos 21 anos,
em 1981, a narrativa acompanha os passos habituais de um
personagem igual a qualquer
um de nós. Mas as descobertas
da infância, os percalços da
adolescência e as ambigüidades
da entrada na vida adulta são
também passos de uma reinterpretação endemoniada da Paixão de Cristo.
Só que, em vez de sacralizar
essa trajetória por meio da redenção, "C.R.A.Z.Y." lança seu
herói num redemoinho profano, numa espécie de "evangelho segundo o demônio".
Em vez de desperdiçar sua
melhor munição, o roteiro, tentando demonstrar com acrobacias que é capaz de fazer cinema "criativo", Vallée filma de
maneira quase tradicional e usa
o recurso de pontuar a história
com canções de época (de alta
voltagem pop) para aumentar a
potência de sua obra.
Sem as canções para sinalizar
as épocas, "C.R.A.Z.Y." perderia muito de sua ênfase, pois se
trata mais que um filme centrado num personagem, mas de
uma narrativa geracional.
A adoção da linearidade é um
recurso que não implica, neste
caso, limitações de significados, pois é com ela que o roteiro
consegue transmitir a dinâmica de vai-e-vem entre o personagem e os valores de sua época. Tempos de rápidas mutações sociais e morais e, sobretudo, de modificações ao avesso de muitas certezas.
Internalizando essa visão, o
filme faz coincidir a identificação do público com o personagem. Externalizando-a, sob a
forma das canções e de progressões das épocas, escapa dos
estreitamentos subjetivos e
consegue trazer agarrado consigo inúmeros sentidos da palavra "história".
C.R.A.Z.Y. - LOUCOS DE AMOR
Direção: Jean-Marc Vallée
Produção: Canadá, 2005
Com: Marc-André Grondin
Quando: a partir de hoje no Bombril
2, HSBC Belas Artes e circuito
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