São Paulo, sábado, 24 de novembro de 2007

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FÁBIO DE SOUZA ANDRADE

Trinca de poetas

Da sociabilidade literária de uma geração que valoriza as trocas, vai se definindo uma variedade de estilos

O LANÇAMENTO coletivo dos novos livros dos poetas Fabiano Calixto ("Sangüínea"), Fábio Weintraub ("Baque") e Ruy Proença ("Visão do Térreo"), que acontece na próxima terça-feira, às 18h30, na Livraria Martins Fontes da avenida Paulista, responde por um recorte paulista na abstração que ainda é a poesia brasileira do século 21. Da sociabilidade literária de uma geração que valoriza e reivindica as trocas, vai, aos poucos, se definindo uma variedade de estilos, ainda que sempre atravessados pela urgência pedestre do presente.
Ruy Proença, 50, engenheiro de minas, autor de "Como um Dia Come o Outro" (Nankin, 1999), bestiário discreto que esquadrinha o real a partir da valorização da vocação transformadora, metamórfica, da imagem poética, radicaliza em "Visão do Térreo" sua linhagem muriliana. O diálogo é com o Murilo Mendes final, de "Mundo Enigma" e "Ipotesi", gesto prometeico da linguagem e identificação orgulhosa com o mito e natureza inúteis como fósforos molhados. Simples e diretos, seus versos registram nosso encontro diário e anticlimático com um juízo final em conta-gotas, como na morte-em-vida de "Escrivaninha": "pusemos a escrivaninha/ na praia/ e nos sentamos/ bem amarrados à cadeira [...] encalhados/ na maré-cheia/ escrevemos no papel/ a única palavra://cadáver".
A guinada em direção a uma lírica urbana a que não falta a virulência e a abjeção do leitor de um Roberto Piva corrigido pela retração do eu e por uma abertura programática (deformação profissional?) às vozes alheias, em especial às desarticuladas à força, reinventou o poeta Fábio Weintraub, 40, psicanalista e editor. Como "Novo Endereço" (Nankin, 2002), "Baque" mergulha seu leitor num violento, vizinho e remoto mundo das ruas, colocando-o "de cócoras" e "sob as marquises", na intimidade de putas e mendigos, alternando a identificação dramática ("agora só lambo caco/ vivo mijado e com fome") com o objetivismo descritivo de encontros impossíveis ("franjinha sebosa", "ela é devota de algo ou de alguém/ e seu sono conta pontos/ no placar sombrio de algum país/ aonde os versos não chegam").
Tecnicamente mais atrevida, tocando nos extremos dos versículos whitmanianos e dos estilhaços epigramáticos, "Sangüínea", do pernambucano radicado em Santo André Fabiano Calixto, 34, combina referências e alusões ecléticas e contemporâneas. O seu "Rilke shake" de linguagem (para usar o título feliz de Angélica Freitas) tem sopro ora amplo e narrativo, notação expansiva da experiência, ora de câmara, voltado para o momentâneo e o fugidio. Forja uma dicção de risco que, poesia, vive da "vontade de delicadeza", mas "delicadeza azeda" (Marcos Siscar), a possível quando o eu se deixa atravessar pela brutalidade atual, impossível de economizar, e que vai dando cara à novíssima lírica brasileira.


SANGÜÍNEA/BAQUE/VISÃO DO TÉRREO
Autores:
Fabiano Calixto, Fábio Weintraub, Ruy Proença
Editora: 34
Quanto: R$ 26 (128 págs.); R$ 22 (72 págs.); R$ 24 (112 págs.)
Avaliação: bom


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