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FÁBIO DE SOUZA ANDRADE
Trinca de poetas
Da sociabilidade literária de uma geração que valoriza
as trocas, vai se definindo uma variedade de estilos
O LANÇAMENTO coletivo dos
novos livros dos poetas Fabiano Calixto ("Sangüínea"),
Fábio Weintraub ("Baque") e Ruy
Proença ("Visão do Térreo"), que
acontece na próxima terça-feira, às
18h30, na Livraria Martins Fontes
da avenida Paulista, responde por
um recorte paulista na abstração
que ainda é a poesia brasileira do século 21. Da sociabilidade literária de
uma geração que valoriza e reivindica as trocas, vai, aos poucos, se definindo uma variedade de estilos, ainda que sempre atravessados pela urgência pedestre do presente.
Ruy Proença, 50, engenheiro de
minas, autor de "Como um Dia Come o Outro" (Nankin, 1999), bestiário discreto que esquadrinha o real a
partir da valorização da vocação
transformadora, metamórfica, da
imagem poética, radicaliza em "Visão do Térreo" sua linhagem muriliana. O diálogo é com o Murilo
Mendes final, de "Mundo Enigma" e
"Ipotesi", gesto prometeico da linguagem e identificação orgulhosa
com o mito e natureza inúteis como
fósforos molhados. Simples e diretos, seus versos registram nosso encontro diário e anticlimático com
um juízo final em conta-gotas, como
na morte-em-vida de "Escrivaninha": "pusemos a escrivaninha/ na
praia/ e nos sentamos/ bem amarrados à cadeira [...] encalhados/ na maré-cheia/ escrevemos no papel/ a
única palavra://cadáver".
A guinada em direção a uma lírica
urbana a que não falta a virulência e
a abjeção do leitor de um Roberto
Piva corrigido pela retração do eu e
por uma abertura programática (deformação profissional?) às vozes
alheias, em especial às desarticuladas à força, reinventou o poeta Fábio Weintraub, 40, psicanalista e
editor. Como "Novo Endereço"
(Nankin, 2002), "Baque" mergulha
seu leitor num violento, vizinho e
remoto mundo das ruas, colocando-o "de cócoras" e "sob as marquises",
na intimidade de putas e mendigos,
alternando a identificação dramática ("agora só lambo caco/ vivo mijado e com fome") com o objetivismo
descritivo de encontros impossíveis
("franjinha sebosa", "ela é devota de
algo ou de alguém/ e seu sono conta
pontos/ no placar sombrio de algum
país/ aonde os versos não chegam").
Tecnicamente mais atrevida, tocando nos extremos dos versículos
whitmanianos e dos estilhaços epigramáticos, "Sangüínea", do pernambucano radicado em Santo André Fabiano Calixto, 34, combina referências e alusões ecléticas e contemporâneas. O seu "Rilke shake"
de linguagem (para usar o título feliz
de Angélica Freitas) tem sopro ora
amplo e narrativo, notação expansiva da experiência, ora de câmara,
voltado para o momentâneo e o fugidio. Forja uma dicção de risco que,
poesia, vive da "vontade de delicadeza", mas "delicadeza azeda" (Marcos
Siscar), a possível quando o eu se
deixa atravessar pela brutalidade
atual, impossível de economizar, e
que vai dando cara à novíssima lírica
brasileira.
SANGÜÍNEA/BAQUE/VISÃO DO TÉRREO
Autores: Fabiano Calixto, Fábio Weintraub, Ruy Proença
Editora: 34
Quanto: R$ 26 (128 págs.); R$ 22 (72 págs.); R$ 24 (112 págs.)
Avaliação: bom
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