São Paulo, sábado, 24 de novembro de 2007

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Crítica/"Todos Entoam"

Coletânea reafirma Tatit com pensador original da canção popular

CARLOS RENNÓ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Luiz Tatit não é apenas um nome representativo da música popular de São Paulo. Como se isso não bastasse, ele se tornou também um respeitável pensador da canção popular. Pesquisador com larga e importante obra ensaística voltada para o tema, ele está lançando mais um livro, "Todos Entoam".
Dividido em quatro seções, a primeira constitui uma retrospectiva do seu percurso biográfico e artístico; um texto de reminiscências rico em reflexões. Entre outras coisas, ele conta como se conscientizou da necessidade de introduzir, na canção brasileira, uma novidade que alterasse a sua forma.
Como se deu a descoberta de que as melodias das canções eram sugeridas "pelas inflexões espontâneas das entoações da fala". E como isso abriu duas frentes de trabalho determinantes: na composição e na pesquisa.
No espaço dedicado à vanguarda paulistana, no fim dos anos 70 e início dos 80, descreve a proposta que formulou com seu grupo, o Rumo, de emprego explícito de entoações como recurso de renovação da canção. Relata ainda como veio, na época, a aplicar a semiótica no estudo da nossa música popular, como professor da USP.
A segunda parte do volume é a dos ensaios. Tatit propõe um modelo de análise apropriado à arte das palavras e dos sons, que dê conta da compatibilidade entre seus dois componentes básicos, não só de um de seus subprodutos. Diferenciando as categorias de cancionista e de musicista, ele enfatiza a sobreposição dos valores cancionais aos musicais na formação de um autor de canções. Sua análise da obra de Itamar Assumpção busca demonstrar que gestos de requinte musical no Brasil não procedem apenas da bossa nova.

Composição e criação
A prática da composição e os processos que os momentos de criação desencadeiam também são objeto do seu pensamento.
Ele acusa a prevalência do som sobre o sentido como elemento deflagrador do fato criador, afirmando que os conteúdos das canções decorrem mais das melodias do que da experiência do compositor.
Com relação ao panorama atual, Tatit narra como chegamos ao "auge da era das cantoras no Brasil", até elas se tornarem também compositoras. Confirma a vitalidade da canção não apesar, mas por causa do rap, por representar "a mais pura essência da linguagem da canção", pela proximidade com a fala. E afirma que nunca a produção de canção primou tanto pela quantidade e qualidade no país como hoje.
A terceira parte colige as letras de suas canções gravadas, do tempo de grupo ao de sua carreira individual. A forma mais apropriada de apreciação é a leitura acompanhada das gravações das músicas. Aí se pode desfrutar melhor de suas construções invulgares, de seus achados lingüísticos, das histórias e situações inusitadas que narram, bem como da graça tanto estética quanto humorística de seus efeitos, evidenciando o excelente letrista e compositor que é Tatit.
A última seção de "Todos Entoam" é uma extensa entrevista em que ele responde longamente a questões lançadas por um elenco grande, do qual fazem parte Lorenzo Mammì, Hélio Ziskind, Paulo Tatit, Arnaldo Antunes, Zélia Duncan, Charles Perrone, Francisco Bosco, Ná Ozzetti, Arthur Nestrovski... A série, multifária, versa também sobre a visão de canção, fazendo Tatit refletir sobre o processo que levou à abordagem séria da música popular no Brasil a partir de "Balanço da Bossa", de Augusto de Campos.
Ele dá uma autêntica aula de composição de canções. Sentindo-se mais autor que artista, vai de encontro à visão comum do trabalho artístico como algo belo, quando na verdade -na dele, pelo menos- o ato criador implica angústias e dificuldades, "torturas" e "suplícios".
Surpreendente, ele põe num mesmo patamar Zezé de Camargo e Cartola em matéria de artesanato cancional, e desvaloriza a harmonia como forma de melhorar a canção. Para ele, raramente um bom músico se torna um bom cancionista; Tom Jobim, Edu Lobo e Ivan Lins são exceções.
Luiz Tatit se juntou a pouquíssimos pensadores brasileiros, entre eles seu camarada José Miguel Wisnik, que se aproximaram da canção com um enfoque criterioso, que prioriza as relações entre letra e música. O presente livro vem a ser mais uma relevante contribuição sua para o pensar a canção no país, além de um registro de sua obra original.


CARLOS RENNÓ é letrista, produtor e jornalista.

TODOS ENTOAM - ENSAIOS, CONVERSAS E CANÇÕES
Autor:
Luiz Tatit
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 49,90 (448 págs.)
Avaliação: ótimo


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