São Paulo, Sexta-feira, 24 de Dezembro de 1999


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Brasil 500 Anos traz o índio para a cidade



Mostra do Redescobrimento recupera lição de Mário Pedrosa ao aproximar a arte indígena da contemporânea
CELSO FIORAVANTE
da Reportagem Local

O crítico de arte e militante socialista Mário Pedrosa (1900-1981) é o mentor da Mostra do Redescobrimento, o mais importante evento cultural programado para o país em comemoração dos 500 Anos de Descobrimento.
"Vamos fazer uma verificação do quadro conceitual que Mário Pedrosa traçou para a arte brasileira ao propor a criação do Museu das Origens, logo depois do incêndio do MAM-Rio, em 1978", disse o curador-geral do evento, Nelson Aguilar, em entrevista à Folha em seu estúdio. Sobre a sua mesa, um catálogo de Vik Muniz e slides de José Damasceno.
O Museu das Origens de Mário Pedrosa seria composto pelo Museu do Índio, Museu do Negro, Museu do Inconsciente, Museu de Arte Popular e Museu de Arte Moderna, uma segmentação que foi adotada e ampliada pelo curador Nelson Aguilar, que concebeu a Mostra do Redescobrimento em 12 segmentos (veja quadro à esquerda).
Apesar de afeito à arte contemporânea, Nelson Aguilar não esconde seu entusiasmo em relação a dois segmentos, arqueologia e arte indígena, curiosamente os segmentos opostos à arte contemporânea se considerada a ordem cronológica do evento.
"As disciplinas acadêmicas sempre separaram a antropologia da arqueologia, mas elas serão colocadas lado a lado para mostrar que essa continuidade não acaba. A meu ver, talvez esses dois módulos sejam o momento mais intenso de toda a exposição. Existe a vontade de mostrar desde pintura rupestre, por meio de projeções, até as obras que serão realizadas aqui, no Ibirapuera, que coincidentemente tem um nome tupi", disse Aguilar.
Para isso, o evento vai convidar representantes de nações indígenas para realizarem obras no local, como rodas de buriti, postes para cerimônias fúnebres dos bororos e apenapes (círculos que determinam locais ritualísticos).
"Nós não pensamos, por exemplo, em um museu do índio, pois o lugar do índio não é o museu. Essa primeira idéia de um museu do índio é muito tímida, muito datada, e pode ser ampliada. Arte indígena e arte contemporânea são coisas extremamente análogas", disse.
Duas das grandes estrelas do evento, que voltam ao país depois de centenas de anos de ausência, foram produzidas por índios brasileiros. São os dois únicos mantos tupinambás completos, do ombro até os pés, que pertencem a instituições de Bruxelas (Bélgica) e Copenhague (Dinamarca).
"São peças de uma fragilidade extrema que irão exigir um trabalho museológico monstro. Elas nunca estiveram no Brasil, salvo quando eram vestidas pelos respectivos pajés", disse Aguilar.
O curador garantiu que o empréstimo das peças já está acertado. "Só estamos tratando de detalhes de transporte. O pior já passou. Elas só não vieram para o Brasil até agora porque não existia vontade política. E vontade política significa também verba e condições ideais de transporte e exibição", disse.
Embora não exista a noção de "artista" nas tribos indígenas, existe uma proximidade entre a arte indígena e a arte contemporânea, visto que ambas continuam a ser produzidas.
O segmento será exibido no prédio que abrigou os inativos Museu de Aeronáutica e Museu de Folclore, um prédio cupular, coincidentemente, a mesma forma de uma oca indígena.
Junto com os trabalhos indígenas, será exibida a mostra dedicada à arqueologia, que contará com objetos de culturas como a marajoara e a de Santarém realizados em cerâmica ou pedra.
"Dessas sociedades mortas sobrevivem apenas os materiais mais resistentes, aqueles que conseguiram atravessar a inclemência da química orgânica tropical", disse o curador.
Depois da mostra no Brasil, o segmento dedicado à arqueologia (assim como a mostra de arte contemporânea) seguirá para a Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. Será a primeira etapa da itinerância internacional do evento, em outubro de 2000.
"Isso vai ser fantástico, pois o ano 2000 só existirá na Europa para eles mesmos. Lá estarão comemorando o ano 2000, mas o Brasil estará passando por um exercício de autocrítica", disse Aguilar.
A Mostra do Redescobrimento exibirá cerca de 6.000 obras, algo nunca visto no país, mas cujo impacto o próprio curador diz não conhecer. "Estamos mexendo em uma caixa de Pandora. Isso será inédito para todos nós. Veremos que somos ignorantes frente às perguntas que ela vai suscitar".


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