|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTES PLÁSTICAS
Ana Maria Pacheco, 56, é a primeira artista não-européia convidada a expor na galeria inglesa
Brasileira quebra tabu na National Gallery
VALERIA ROSSI
especial para a Folha, em Londres
Desde setembro, muitos brasileiros que visitam Londres se surpreendem ao ver, espalhados pela
capital, cartazes enormes anunciando a exposição da artista plástica brasileira Ana Maria Pacheco.
Pouquíssimo conhecida no Brasil, essa goiana de 56 anos alcançou um reconhecimento como
poucos no exterior: ela é a primeira artista não-européia a ser convidada a expor na tradicional National Gallery, localizada no coração de Londres, na Trafalgar
Square.
A National Gallery é um dos
museus mais visitados da cidade e
tem em seu acervo trabalhos de
Velázquez, Leonardo da Vinci,
Boticelli, Van Dyck e Turner, entre outros grandes nomes.
Além de expositora, Pacheco,
que mora na Inglaterra desde 73,
passou a ser artista associada do
museu. Ela é a quarta pessoa a ser
convidada para o cargo e a primeira nascida fora da Europa.
Há dois anos e meio, a brasileira
mudou o seu ateliê de Norwich,
no interior da Inglaterra, para um
espaço dentro da própria National Gallery para trabalhar na exposição que está atualmente em
cartaz e pode ser visitada até 9 de
janeiro.
A mostra é o principal evento da
National Gallery no momento e,
desde a inauguração, em setembro, alcançou grande sucesso tanto de crítica quanto de público.
A principal peça da exibição é
uma composição de 20 esculturas
em madeira intitulada "Dark
Night of the Soul" (Noite Negra
da Alma). A figura central é um
homem encapuzado atravessado
com várias flechas, numa alusão
ao martírio de são Sebastião, mas
as figuras em volta dão margem a
interpretações diferentes. Ana
Maria joga com a ambiguidade
para forçar diversas leituras do
seu público.
Outra peça central é a trilogia de
pinturas "Luz Eterna", que explora os tormentos e tentações de
santo Antônio. Mais uma vez, Pacheco coloca os personagens em
situações contemporâneas -os
demônios tradicionais são substituídos por helicópteros na interpretação moderna da artista.
A Folha conversou com Ana
Maria Pacheco, em seu ateliê, em
Londres, sobre o seu trabalho e o
reconhecimento artístico na Inglaterra e do Brasil.
Folha - A sra. é a primeira artista plástica não-européia a ser
convidada a trabalhar com a National Gallery. O que acha que
atraiu os europeus?
Ana Maria Pacheco - Em primeiro lugar, é um enorme reconhecimento do conjunto de um
trabalho. Eu não exponho sempre, mas representantes do museu já haviam visto peças minhas
e acharam que eu tinha o perfil
para fazer essa exposição e trabalhar no museu, o que é uma honra. Eu sou a quarta pessoa a ser
convidada e fui chamada e aceita
pelo que sou, por isso essa não é
uma honra só minha, mas brasileira. No caso dessa exposição, o
objetivo é fazer uma ponte entre o
meu próprio trabalho e o acervo
do museu.
No meu caso, como eu não sou
européia -apesar de a minha
formação ter sido bem clássica-,
a minha leitura é considerada
muito original. Eu sei que os meus
antecessores tiveram certa dificuldade em fazer referência a trabalhos clássicos, mas eu não tive
esse problema.
Folha - Por que as referências
a são Sebastião em seu trabalho?
Pacheco - É curioso, porque,
quando fui convidada para trabalhar na National Gallery, eu já vinha visitando o museu há um
bom tempo porque aqui há muitas pinturas de são Sebastião e eu
já estava desenvolvendo um projeto nessa direção. É uma das iconografias mais tradicionais e conhecidas do mundo cristão. De
modo que o convite foi uma feliz
coincidência, porque eu pude fazer a ponte entre as duas coisas.
Folha - Qual foi motivo que a
levou a trocar o Brasil pela Inglaterra, em 1973?
Pacheco - Eu tinha 30 anos e
trabalhava em artes plásticas havia algum tempo. Olhando para
trás é mais fácil articular, mas na
época eu sabia que faltava alguma
coisa em meu trabalho -um elo.
Eu pensei que o melhor lugar para
descobrir esse elo seria a Europa,
porque nós temos muita herança
européia, principalmente com o
barroco.
Eu ganhei uma bolsa do Conselho Britânico e acabei vindo para
a Inglaterra, um lugar onde, ironicamente, ninguém gosta do estilo
barroco. Depois, comecei a desenvolver o meu trabalho aqui e
não vi razão para voltar para o
Brasil. Mas eu sempre fiz muita
força para manter as minhas raízes. Eu sou brasileira e, por consequência, a minha arte também é.
Eu não quero ser uma imitação
do que acontece na Europa.
Folha - Além de referência a
trabalhos tradicionais, a senhora também se inspira em fotojornalismo e outras referências.
Como é esse cruzamento?
Pacheco - Eu sou influenciada
por tudo o que vejo. No caso do
são Sebastião, eu também me inspirei numas fotografias de uma
execução de um bandido na Baixada Fluminense. Uma outra fotografia da guerra de Canudos, no
século passado, também me impressionou muito. Não tenho um
fotógrafo preferido. O que me interessa é a imagem.
Folha - A sua técnica em pintura é muito peculiar. A sra. poderia explicar como faz os seus
quadros?
Pacheco - A minha formação é
na escultura. Só comecei a pintar
na Inglaterra. Por isso acho que
importei muitas técnicas utilizadas na escultura e na gravura para
fazer as minhas pinturas. Em primeiro lugar, eu pinto sobre madeira, porque gosto de superfícies
rígidas. Eu preparo a madeira
com uma técnica antiquíssima,
com gesso misturado com uma
cola orgânica. Eu passo 20 camadas dessa mistura sobre a madeira
e depois a lixo, para deixá-la lisa.
O gesso tem pó de mármore e cal
em sua composição. Por isso,
quando se pinta a óleo sobre essa
superfície o resultado é uma
transparência muito grande.
Normalmente, em pintura, a luz
é refletida por meio da cor, mas eu
pretendo que a luz viaje por meio
da cor. Eu não uso pincel. Uso algodão com náilon em volta, em
forma de um pé de alho, que é um
método que também importei da
gravura. No fim do processo de
pintura, eu encero a tela e depois
lixo, deixando a superfície bem
brilhante.
Folha - A sra. ressente o fato
de não ser muito conhecida no
Brasil?
Pacheco - É claro que eu gostaria de ser mais vista no Brasil.
Mas, por uma série de motivos,
acabei desenvolvendo o meu trabalho aqui. É provável que eu faça
uma exposição no Museu de Belas Artes do Rio em 2000, mas só
de gravuras. Infelizmente no Brasil ainda existe uma mentalidade
colonialista muito forte de seguir
a moda, e o meu trabalho, apesar
de ser contemporâneo, não segue
a moda.
Texto Anterior: Santo foi tradutor da "Bíblia" Próximo Texto: Artigo - Arnaldo Niskier: Peça critica descaso político na saúde Índice
|