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NELSON ASCHER
Aleksandr e Natália
Após desposar a moça tão cobiçada, o poeta russo viveu num inferno de boatos e ciúmes
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QUANDO Aleksandr Serguêievitch Púchkin viu pela primeira vez Natália Nicoláievna Gontchárova num baile de fim de ano em Moscou, ele tinha 29 anos e
ela, 16. Dizer que, da parte de Púchkin, teria sido amor à primeira vista
não refletiria seu temperamento
que, cínico e precocemente desiludido, era antes o de um sedutor experiente cuja paixão se manifestava
através de conquistas em série e ciúmes obsessivos, não do idílio sentimental e inocente. Ainda assim, por um lado decidido a se estabelecer e
formar família e, por outro, fascinado pela beleza da moça (a respeito da
qual não faltam testemunhos contemporâneos), ele logo a pediu em
casamento.
Quanto à jovem, ela não se mostrou demasiado interessada. Sem
contar com grandes títulos aristocráticos, a filha de uma família cuja
fortuna fora há pouco dilapidada
ambicionava sobretudo a vida da alta sociedade e da corte. Educada em
francês como era de costume, talvez
seu russo nem sequer fosse suficiente, mesmo se alguém tão fútil o quisesse, para avaliar a estatura literária do pretendente. À espera de propostas melhores, sua mãe rejeitou a
do escritor, mas não lhe fechou definitivamente as portas.
Decepcionado e disposto a mudar
de clima, Púchkin (1799-1837), o
maior poeta russo, verdadeiro fundador da literatura de seu país, resolveu viajar rumo ao sul, para o
Cáucaso, onde a Rússia estava em
guerra com o Império Otomano.
Aquela era uma das direções nas
quais o império dos tsares se expandia e a região, seja pelo calor, seja por
seus costumes, chegou a ser comparada à Sicília. Em "Viagem a Erzerum durante a Campanha de 1829",
ele recordaria com saudade a vista
das altas montanhas e do vale do rio
Aragva, a vida no acampamento militar e a visita aos banhos mistos de
Tíflis/Tbilisi, capital da Geórgia.
Embora o Cáucaso, montanhoso,
multiétnico e povoado por tribos
guerreiras, excitasse o imaginário
russo como a "fronteira" (o oeste)
dos norte-americanos, o único poema relevante que Púchkin (que havia, na juventude, escrito epopéias
com temas orientais) trouxe de lá foi
a declaração de amor a Natália aqui
traduzida, uma de suas composições
líricas mais realizadas, em que um
dos expoentes do romantismo europeu revela sua atração pelo equilíbrio e pela contenção precisa que caracterizam o ideal clássico.
De volta à Rússia urbana, Púchkin
a desposou em fevereiro de 1831,
mas não foi feliz com Natália, se bem
que em versos famosos afirmasse
preferir-lhe a frieza indiferente e a
relutância de sua entrega aos êxtases explícitos de qualquer outra (dos
quais, no entanto, não abrira mão).
Como a beldade não deixasse de
atrair atenções de todo tipo, o poeta
russo, que tampouco dispunha dos
recursos necessários para garantir-lhe a vida elegante que ela desejava,
viveu os anos seguintes num inferno
de boatos, ciúmes e problemas financeiros.
Tudo piorou quando um aristocrata francês bissexual, o barão Geoges-Charles D'Anthès, treze anos
mais novo que o poeta, amante e,
mais tarde, filho adotivo do embaixador holandês, passou a cortejar
insistentemente sua mulher. A situação, que se encaminhava para o
duelo, foi temporariamente aliviada
pelo casamento de conveniência do
francês com uma irmã de Natália.
Uma carta anônima, porém, "informando" o escritor de sua eleição
"para a sereníssima ordem dos cornudos", tornou inevitável o desfecho. Ambos duelaram e, fatalmente
ferido, Púchkin morreu, antes de
completar 38 anos de idade, em 29
de janeiro de 1837. A viúva casou-se
de novo e é possível que tenha se tornado, não muito depois, amante do
tsar Nicolau 1º. D'Anthès sobreviveria ainda a outros duelos e só morreria em 1895.
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