São Paulo, quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

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NINA HORTA

Um Natal do futuro


Poderemos escolher os sons de porta-do-forno-batendo, farofa-chiando, creme de leite-virando-chantilly


IMPOSSIBILITADOS DE juntar a família inteira para sortear um amigo oculto, minha Laura-neta providenciou o programa Elfster onde todos os interessados se inscreviam, conversavam, sugeriam presentes e, no dia escolhido, o programa joga os dados. É só acessar e descobrir seu amigo. Bom, tem seus méritos, evitando que ganhe mimos indesejados como incenso e mirra. Com essa, chegou a hora de pensar no Natal.
Teremos a neve? Uma pesquisa feita nos países nórdicos indicou que, quando pediram às crianças para que imaginassem a casa do Papai Noel, elas desenharam praias tropicais com palmeiras, sol e redes. Logo, para nós do trópico, o Natal deve ter neve, bem branca e bem fofa.
Flocos de material maleável e autolimpante no dia 26 encherão os degraus das casas para que as crianças moldem figuras e anjos. Os presentes serão comprados a qualquer hora na TV, muitos anéis, colares, tapetes e panelas elétricas, batedores de ovos e aparelhos de ginástica que se dobram e cabem no bolso, tudo em 12 vezes. Poderemos comprar o peru, também, apitando, que chegará impresso em três dimensões, com peito muito macio, orgânico e dourado por fora (reação de Maillard), assinado por Hervé This. Escolhe-se o design da árvore de Natal. A Chanel será vintage, enfeitada com camélias brancas. Cartões com muitos votos pelo twitter.
A reunião das famílias também vai ser como uma videoconferência, cada um no seu canto interagindo nos telões com links para Natais antigos, vista por quem quiser acessá-la, o que baixará sobremaneira o número de brigas natalinas. Escolheremos também os cheiros, como pernil assado com crosta, tender com abacaxi, peru com fios de ovos, nozes, amêndoas e castanhas, velas de cera de abelha nativa. De Portugal, vem a fragrância bacalhau-a-Zé-do-Pipo.
Escolhidos os cheiros, partimos para os kits vendidos pelo Ebay e pelo Mercado Livre. Ferran Adrià, com taças de frango preto, torresmos bege de gelatina e sorvetes de alho negro. O kit Atala não terá foie gras e sim lulas cruas em "su tinta" e turu em priprioca "con su leche". Helena Rizzo lembrará a infância poeticamente desconstruindo uma maionese de batata, e Rodrigo, do Mocotó, fará questão de incluir no cesto cachaça de mandioca e uma gorda buchada de bode.
O blog da Neide Rigo mostrará embornais de chita com frutas, legumes e tubérculos colhidos nos trilhos do trem da Lapa. Roberta Sudbrack oferecerá quiabos e chuchus do avesso enfeitados com as sementes do quiabo em dourado natalino. Para evitar problemas de comilança, os alimentos virão com suas pílulas digestivas e felizes já embutidas no tempero. O Senac lançará um livro novo com 2.001 maneiras ótimas de fazer um ovo frito. Poderemos escolher os sons de porta-do-forno-batendo, farofa-chiando, creme de leite-virando-chantilly e no YouTube teremos o venerável "bobdylan-must be Santa".
Noel poderá ser representado por qualquer celebridade da Globo depois de ter passado por um regime daqueles ingleses na GNT, vestido de tecido térmico verde orgânico.
No setor bebidas, um chibé do Amazonas pontilhado de farinha ovinha, receita antiga desenvolvida pelos índios Taré (extintos depois de uma overdose de formigas) por não terem conseguido honrar a encomenda feita por um bufê, de 100 mil cuias pretas. Como no caso dos peixes de Vatel. Josimar Melo e o suplemento "Paladar", do "Estado de S. Paulo", lançarão um "Guia dos Guias" com muitos críticos de comida vagando estonteados pela cidade. As cronistas culinárias, professoras e donas de bufê, devido ao excesso de trabalho, serão reunidas num só spa com o nome de "Muito Riso Pouco Sizo". Must be Santa, must be Santa...

ninahorta@uol.com.br


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