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"A VIDA ÍNTIMA DAS PALAVRAS"
Escritor utiliza etimologia para criar abecedário de curiosidades
BETTY MILAN
ESPECIAL PARA A FOLHA
Você sabia que originalmente a palavra "salário"
significava um pouco de sal ou
ainda o dinheiro para comprar o
sal que conservava a comida? Nós,
que só falamos do salário pensando no quanto vamos receber e
gastar, descobrimos em "A Vida
Íntima das Palavras", de Deonísio
da Silva, que o termo faz menção à
precariedade da vida dos antepassados. Com a descoberta, nos inscrevemos na história da humanidade e nos esquecemos das nossas infinitas questões materiais.
A cada verbete do livro, o leitor
se surpreende com o fato de que
as palavras contam histórias. De
que elas são serezinhos falantes,
ou falesseres, como diria Lacan
referindo-se ao sujeito que nasceu
para a fala, para o falo e para o falecimento, um dia. O título, escolhido pelo editor Pedro Paulo
Senna Madureira, é perfeito. Só os
falesseres ou os seres constituídos
pela fala têm uma vida íntima.
Não é preciso dizer mais para
dar a entender que se trata de um
abecedário de curiosidades. A começar, aliás, pela palavra abecedário. Vem do latim abecedariu e
diz respeito a todas as letras que
compõem o alfabeto. A propósito, o autor conta uma história que
poderia ser sintetizada pelo adágio "O silêncio é de ouro".
Uma história que vale lembrar:
"Antigo filósofo grego, querendo
ausentar-se, pediu permissão ao
imperador romano Augusto e este, ao conceder-lhe a licença, solicitou em troca um conselho para
a vida inteira. Recebeu o seguinte:
"Todas as vezes que vos estimular
a ira, correi uma por uma todas as
vinte e quatro letras do abecedário grego, antes de falardes a primeira palavra".
"A Vida Íntima das Palavras"
foi escrito por um autor que é um
ex-seminarista e tem uma paixão
religiosa pela língua. Um homem
de São Carlos, ou Santo Carlos,
como ele gosta de dizer. Trata-se,
na verdade, de um dicionário que
só um escritor poderia ter feito.
Porque o autor tanto leva em conta o que foi escrito sobre a palavra,
quanto o que sobre ela foi dito
-como o psicanalista.
Nesse dicionário da língua portuguesa do Brasil, além da etimologia da palavra e daquilo que ela
nomeia, você sempre aprende algo novo, precisamente porque
Deonísio da Silva vive atento às
falas do país. Revela aquilo de que
não temos uma consciência clara.
Conta, por exemplo, que abafar
veio do árabe al-bakhar e que os
mouros trouxeram o vocábulo
para a língua portuguesa, onde se
transformou em verbo com os
significados de sufocar, asfixiar e
correlatos. Mas a isso, graças à sua
escuta, ele acrescenta que se trata
de uma das palavras mais presentes no vocabulário de nossos técnicos de futebol, por estarem eles
"sempre reiterando que a tática é
abafar o adversário em seu próprio campo".
"A Vida Íntima das Palavras" é
muito mais do que um livro de referência, é um livro de meditação
e de cabeceira. Além de ser eterno
como "Avante Soldados para
Trás"- sobre a guerra do Paraguai- ou "Teresa"- sobre a
santa-, dois romances de um
homem que ama a língua portuguesa e as mulheres e as santas.
O primeiro escritor na nossa literatura que focaliza a relação entre os sexos, enternecendo-se com
ela, entregando-se sem medo ao
seu fascínio pela figura feminina,
comparando, por exemplo, no
"Avante Soldados para Trás", as
paraguaias a galope a centauras
cheias de graça; ou ousando, no
"Teresa", um narrador que afirma ser um homem lésbico.
Betty Milan é escritora e psicanalista,
autora de "O Papagaio e o Doutor" (Record), entre outros
A Vida Íntima das Palavras
Autor: Deonísio da Silva
Editora: Arx
Quanto: R$ 39,90 (496 págs.)
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