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LIVRO/LANÇAMENTO
"O ESTRANGEIRO"
Reunida em 3 CDs, leitura radiofônica do escritor para seu principal romance é sucesso na França
Voz de Camus revela o Meursault trágico
ALCINO LEITE NETO
DE PARIS
Como se estivesse lendo um boletim meteorológico incerto, o escritor Albert Camus fala: "Hoje,
mamãe morreu. Ou talvez ontem,
não sei". É o famoso início de "O
Estrangeiro", seu principal romance, publicado em 1942. É
também o começo do CD "O Estrangeiro", que resgata a leitura
desse clássico do século 20 feita
pelo próprio autor em 1954 para a
rádio France 4.
A leitura integral, que permanecia inédita em CD, foi reunida em
três discos de quase três horas de
gravação e acaba de sair na França. É um sucesso estrondoso. Nos
primeiros dias após o lançamento, esgotou nas livrarias.
Ao mesmo tempo, chegaram às
estantes francesas três livros do
escritor: "Camus à Combat", com
seus artigos no jornal "Combat",
entre 1944 e 1947, "Croniques Algériennes 1939-1958", em formato de bolso, com textos a respeito
da Argélia, seu país de origem, e a
antologia "Réflexions sur le Terrorisme", que reúne escritos de
origens diversas tratando de violência política.
A versão radiofônica de "O Estrangeiro" foi transmitida em três
dias de abril de 1954, na série "Leituras à Noite", da Rádio Diffusion
Française. Albert Camus (1913-1960) já era um celebrado escritor
e intelectual. Três anos mais tarde
receberia o Prêmio Nobel de Literatura. "O Estrangeiro" foi publicado 12 anos antes, em 1942.
"É Kafka escrito por Hemingway", observou Sartre, em 1943,
sobre o livro. A novidade de "O
Estrangeiro" foi seu estilo direto,
de extrema objetividade, mas para descrever um conflito metafísico e um personagem situado nas
extremidades da vida moral.
Meursault é o personagem.
Funcionário de um escritório em
Argel, ele recebe a notícia da morte de sua mãe, num asilo. Durante
o enterro, não manifestará nem
uma emoção sequer. Mais tarde,
passeando na praia, matará um
árabe, sem razão nenhuma. No
seu julgamento, ao perguntarem
sobre a razão do crime, ele dirá
que foi "por causa do sol".
Meursault é julgado menos pelo
assassinato e mais por sua "insensibilidade". Todo o romance é em
primeira pessoa -até o personagem enfrentar a guilhotina.
A leitura radiofônica de Camus
é um deslumbramento. A dicção é
muito contemporânea, sem afetação nenhuma. As pontuações discretas do escritor e as suas ligeiras
alterações de tom permitem
(re)descobrir o quanto existe de
construção rítmica rigorosa na
sintaxe do livro. Lido por Camus,
o longo monólogo enfatiza importantes contrapontos e leitmotivs -como a visão da natureza
indiferente e as variações em torno da frase "não é minha culpa".
As diferenças no estilo das duas
partes do livro se acentuam -a
primeira é mais descritiva e seca, a
segunda é mais dramática.
Não é apenas um livro que Camus está lendo, mas uma "voz"
que ele está construindo na leitura, a de Meursault. Na narração de
Camus, o personagem está longe
de ser irônico, cínico ou relativista. A respiração, a tensão, a poesia
e a controlada dramaticidade da
voz do escritor não deixam dúvidas: Meursault é um herói trágico.
L'ETRANGER - De: Albert Camus. Álbum
com três CDs. Leitura do romance pelo
autor. Frémeaux & Associes/Ed.
Gallimard. Quanto: 29,90 (R$ 115)
CAMUS À COMBAT - De: Albert Camus.
Editora: Gallimard. Quanto: 35 (R$
135) (748 págs.).
CRONIQUES ALGÉRIENNES 1939-1958
- De: Albert Camus. Editora: Gallimard.
Quanto: 5,90 (R$ 23) (212 págs.).
REFLÉXIONS SUR LE TERRORISME - De:
Albert Camus. Editora: Nicolas Philippe.
Quanto: 17,5 (R$ 67) (264 págs.).
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