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FERNANDO BONASSI
O Pequeno Príncipe
O Pequeno Príncipe Harry
achou que podia vestir uma
camisa listada de suástica e sair
por aí, tomando, de canudinho,
vodca russa com limão Taiti bem
azedinho... Poder até que ele tinha, ainda que fosse mais figurativo do que econômico. Talvez por
isso cause espanto agônico que
um rapaz dessa estirpe desconheça a força dos símbolos das fardas
bem cortadas que os seus próprios
antepassados impressionados outrora enfrentaram. Nunca tantos
tiveram tanto bode de tão poucos,
essa é que é a amarga verdade.
O Pequeno Príncipe Harry, de
todo modo, não foi mesmo doce.
Fumou ervas proibidas em surdina, conheceu gostosas duvidosas
em poses nada bíblicas, apareceu
naquela festa escandalosa pensando que era o tal que era, fazendo cara severa e dolosa, fumando um cigarro canceroso e
posando como o famoso Dirty
Harry que não era, além de distribuir papos e sopapos diante dos
olhos e ouvidos ávidos dos fotógrafos e pornógrafos contratados
ao peso de nossa curiosidade. Não
era tão forte nem tão talentoso;
nem o velho Clint brincaria com
isso, ouviste, menino?!
De mais a mais, os heróis do cinema americano não se deixam
imitar tão facilmente por playboys de impérios e estúdios decadentes, onde o sol agora se levanta com os insurgentes, por mais
azuis que sejam as suas sementes,
vivendo das ilusões incongruentes
dos séculos passados, da falta de
privacidade e escrúpulos dos amigos, inimigos e parentes.
Aliás, uns e outros parecem esquecer que as monarquias mais
longevas foram as primeiras a experimentar em seus pescoços o sabor do esforço de mudança do povo republicano esfomeado.
Dizem que o Pequeno Príncipe
Harry tem problemas pessoais
por ser o filho daquela uma com o
filho daquela outra. Aquela outra
esteve aqui e colocou uma pedra
no caminho de um museu. Do filho dela, há quem duvide, podendo apresentar semelhanças esquecidas em poses esquisitas por
fotos de jornal. Se for o pai, o pai
pode até ser igualmente um príncipe, mas "rei Charles" mesmo...
esse já morreu. Não enxergava
um palmo diante do nariz, mas
havia cativado mais súditos de
mais reinos do que as reinações
deste outro, que prefere o ócio de
uma descarga ensangüentada no
palácio. A mãe do Pequeno Príncipe Harry morreu embaixo de
um viaduto, mais rica do que casada com um árabe. O viaduto
era francês, e ela trafegava numa
Mercedes Bens importada da Alemanha, correndo da sanha dos
mesmos paparazzi que arrasam
reputações com as suas revelações
internacionais.
Ademais, o irmão do Pequeno
Príncipe Harry, bem mais bonito
e mais gostoso, é tão charmoso
naquelas "Inglaterras" que o próprio pai de ambos pode se fingir
de morto, preparando o trono para um dono mais garboso. A tia
desquitada até que saiu estabanada em defesa do Pequeno, tentando apresentar-lhe mais ameno e menos perdido aos rabinos
enfurecidos... As desculpas prometidas que vieram foram consideradas poucas e ruins. Muito
piores do que lutar contra o marechal Rommel sob cem sóis no
deserto africano.
Aliás não podemos desculpar
quem tem culpa no cartório da
memória pra honrar. Não será
por sermos pobres e burros que
haveremos de tolerar os urros de
outros asnos, mesmo que sejam
nobres e teimem em fazer valer a
força, em vez do jeito. De "jeitinho" nós entendemos, ainda que
não prendamos ninguém de
qualquer maneira pelos abusos
obscuros das besteiras que esclarecem nossa história. Nossa história é antiga, mas a dele é ainda
mais, tornando tudo mais caquético e patético, não fosse nem o
primeiro ou o segundo dessa nobreza estonteante a flertar com
um mundo de uniformes galantes
e a possibilidade de mandar dos
governantes sem os limites da civilidade, da revolução e da decência.
O fato que deveria ser estampado é que o Pequeno Príncipe
Harry perdeu uma ótima oportunidade de passar calado. Agora
ninguém mais quer falar disso,
especialmente porque em Auschwitz, que faz aniversário de 60
anos, o que mais se ouve são os
comentários insanos que os cadáveres tortos fazem em silêncio, no
fundo das valas numeradas e das
piscinas de cinzas preservadas,
onde queimaram por não ser o
que não eram, nem fantasiados.
Há os que o defendam argumentando o aspecto terciário de
sua presença naquele Estado de
coisas britânicas; que as coisas
que os bobos das cortes fazem não
necessariamente expressam o que
os soldados mortos em combate
pensavam daqueles sinais odiosos. Nesses casos será preciso dizer
que justamente por ser simbólico,
mais obrigação a dinastia teria
com as imagens exibidas nesses
tablóides loucos pra vender barato uma vergonha. Vergonha ele
não teve, ou não precisa, já que
não vai pagar muito por isso. Seus
antepassados nunca se deram
bem com os papas e não seria
agora que deixariam o garoto ser
crucificado por um católico polaco.
O Pequeno Príncipe Harry passaria no provão sem as pistas das
professoras de oposição trabalhista? Voaria embriagado de cachaça no sucatão avacalhado com o
risco de uma bad trip? Tomaria
bloody mary no gargalo num camarote VIP, entre mulatas arranjadas? Estaria a moral do Pequeno Príncipe Harry rebaixada com
o terceiro lugar na sucessão?
Só mesmo os nazistas de plantão ficaram emocionados com a
menção, mas tiveram o bom senso -até onde foi possível pra
eles- de ficarem quietos.
Pode ser apenas que o Pequeno
Príncipe Harry pense que é Harry
Potter, misturando o tempo e as
estações como se fossem as poções
de uma bruxa apalermada. Demais ironias à parte, o Pequeno
Príncipe Harry é responsável pelo
que cativa, especialmente quando
cultiva mais irresponsabilidade
histórica.
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