São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2009

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Crítica/"O Veredicto"

Com mestres da interpretação, Lumet constrói filme sobre justiça do conchavo

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Quando aparecem na ficção, os tribunais parecem, muito mais que lugar de julgamentos, grandes peças de teatro em que se encenam decisões cruciais que podem tanto dar direito à liberdade quanto apressar a hora da morte. Por causa desse tudo ou nada movido a falas e reviravoltas vários graus acima da banalidade, os personagens nos filmes judiciais costumam ser disputados a tapa por grandes atores, conscientes de seu poder de atração. Em "O Veredicto", produção de 1982 que ganhou uma bela edição em DVD, o duelo entre a acusação e a defesa se realiza no confronto entre dois mestres da interpretação, James Mason e Paul Newman, cujos desempenhos receberam indicações ao Oscar (sem levar).
Entre os dois pólos circula a enigmática Laura Fischer, a que Charlotte Rampling empresta sua estranha beleza. Por trás da cena já ocupada por grandes nomes encontra-se ainda outro, Sidney Lumet, diretor que sabe não roubar para si os principais interesses de seus filmes.
Com uma regular trajetória como diretor de seriados de TV, Lumet estreou como cineasta em 1957, justamente num filme de tribunal, o insuperável "Doze Homens e Uma Sentença".
A fase mais conhecida de sua carreira está associada a policiais como "Serpico", "Um Dia de Cão" e "O Príncipe da Cidade", nos quais a justiça é posta à prova por meio de personagens dispostos a enfrentar poderes que barram o acesso aos ideais.
O que interessa a Lumet em todos esses dramas não é o crime, mas o lado de dentro da lei e o quanto a justiça depende de acertos e conchavos, o que compromete nossas concepções de verdadeiro e falso.
"O Veredicto" reapresenta a questão por meio da figura de Frank Galvin, um advogado de porta de cadeia, antes profissional de brilho e agora caído em desgraça. A certa altura somos informados que sua queda foi provocada pela recusa em não participar de esquemas ilícitos conduzidos pelo sogro. Para complicar as coisas, esse herói decaído adotou o álcool como companheiro fiel.
Sua derradeira chance de recuperação pessoal e profissional aparece no caso de um erro médico que deixou uma jovem em coma. Frank vai se aferrar a ele com as artimanhas indispensáveis à profissão, e Lumet se recusa a nos desenhar o personagem com as tintas falseadoras da pureza. Essa obsessão que leva o homem comum à margem é recorrente nos filmes de Lumet e também nas histórias de David Mamet, aqui em seu segundo trabalho para o cinema e já autor de um habilidoso roteiro.
Lumet, contudo, evita as pistas falsas comuns de Mamet e não brinca de esconder muita coisa do espectador. Seu jogo às claras denota outra intenção: exibir a justiça como uma construção, uma articulação entre forças em que poder financeiro, relacionamentos com cargos-chave e capacidade retórica produzem resultados que não necessariamente têm a ver com inocência ou culpa. Em meio a tudo isso, seu herói pode até encontrar o caminho da redenção, mas não escapa de perder a inocência antes de alcançá-la.


O VEREDICTO
Lançamento: Fox
Quanto: R$ 30, em média
Classificação: não indicado a menores de 12 anos
Avaliação: ótimo



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