São Paulo, segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

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Zezé Gonzaga lança gravações inéditas

"Entre Cordas" traz faixas recentes e registros do passado da mineira de 81 anos, uma das maiores cantoras do Brasil

Cantora viveu seus anos dourados na rádio Nacional dos anos 40 e 50 e recusa o rótulo de "romântica" dado pelos bossanovistas

Rafael Andrade/Folha Imagem
Zezé na mansão Julieta de Serpa, no Flamengo (zona sul do Rio)


LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Depois de recomendações prévias, da gravadora, de que ela estava fraquinha e um tanto desencantada, o repórter tenta começar a entrevista com um gentil "a senhora...". A resposta vem forte, embora com encanto: "Me chama de senhora para ver o que te acontece...".
Protocolos quebrados, fica mais fácil entender por que Zezé Gonzaga sempre cativou a todos os que a cercaram em 65 anos de carreira. Ouvindo o CD "Entre Cordas", fica difícil explicar por que uma das maiores cantoras do Brasil chegou aos 81 de vida sem ser reconhecida como tal -salvo pelos melhores músicos, maestros, compositores e intérpretes nacionais.
"O que tinha que fazer eu já fiz. Melhor sair de pé do que cair no palco. Já viu se eu vou fazer um show e começo a murchar, implodir?", imagina ela. "Entre Cordas" é o retrato do atual momento de Maria José Gonzaga, mineira de Manhuassu, filha de uma flautista com um luthier, que viveu seus anos dourados na rádio Nacional das décadas de 40 e 50.
O poeta e produtor Hermínio Bello de Carvalho, seu amigo e fã desde 1951, queria arrastá-la para o estúdio em 2007, mas ela recusava. Acabou aceitando gravar duas faixas e duas vinhetas. O resto são registros feitos entre 1983 e 2002, só um deles já lançado em CD. Foram recuperados áudios de programas de TV realizados por Hermínio.
"O Hermínio acha que eu faço tipo dizendo que não posso cantar. Mas quem sabe da minha dor sou eu. Eu faço por onde [para cantar], mas o onde não vem", diz ela.

Acidente
Em 2003, Zezé sofreu uma queda ao subir as escadas de um teatro no Rio, onde fora assistir a um show. Levou 15 pontos na boca e teve afundamento do esterno, o que comprometeu sua respiração. "Sou muito exigente, detalhista. Sou virginiana. Se não posso fazer bem, prefiro não fazer", justifica.
No encarte de "Entre Cordas", Hermínio diz que parte da resistência da cantora pode ter se quebrado depois que Luis Fernando Verissimo elogiou, em uma crônica, sua interpretação de "Senhorinha" (Guinga/Paulo César Pinheiro) no filme "Brasileirinho" -exibido em 2007, mas com registros de anos anteriores.
Não por acaso, o CD abre com esta música, com Zezé acompanhada pelo quarteto de violões Maogani. Em outras faixas ("Pra Dizer Adeus", "Folhas Secas" etc.), ela está ao lado de grandes músicos como Baden Powell, Raphael Rabello -que a compara a Ella Fitzgerald- e Radamés Gnattali.
"Zezé acha que o mercado não absorve esse tipo de música que interpreta. Repare: ela vai de Guinga a Villa-Lobos. É um arco de modernidade que sempre traçou. Uma professora do canto brasileiro é o que ela é", diz Hermínio. Ele já a convencera uma outra vez a retomar a carreira.
Nos anos 60, Zezé se sentiu pejorativamente rotulada de "romântica" pelos bossanovistas, a rádio Nacional entrou em decadência, o caminho se estreitou. Ficou 12 anos (67 a 79) sem gravar discos, sendo que parte deles passou como sócia de uma empresa de jingles e os últimos três cuidando de uma creche.
Hermínio chamou-a para realizar no Rio um LP, com arranjos de Gnattali, dedicado à obra de Valzinho (1914-1980), precursor da bossa nova. "Este ficou muito bom", orgulha-se a virginiana. O Museu da Imagem e do Som do Rio planeja lançá-lo em CD.
Zezé também se orgulha de ter muitos fãs entre jovens que conhecem boa música. "Ter uma cantora como Zezé é algo que o Brasil devia aproveitar bem mais. É uma grande referência, nos faz entender melhor quem somos", exalta Roberta Sá, 27, uma das melhores intérpretes da nova geração.
Desde que sua filha de criação morreu, em 99, Zezé vive só num apartamento perto da praça da Bandeira, área simples da zona norte do Rio. Diz que sai pouco, mas procura não demonstrar tristeza. Mais forte no fim da entrevista, relativiza até o seu fim de carreira: "Se tiver condições, eu volto. Aí vou dizer: "não me levem a mal, mas vão ter que me engolir'".


ENTRE CORDAS
Artista:
Zezé Gonzaga
Gravadora: Biscoito Fino
Quanto: R$ 32, em média


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