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São Paulo, terça-feira, 25 de março de 2003

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MÚSICA ERUDITA/CRÍTICA

A vida como ela quer ser

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

O chapéu de palha é de Florença, mas podia ser do Panamá, ou da Botocúndia. Está no centro de tudo -ou melhor, não está: sumiu-, mas é o que menos importa, enquanto esses homens e mulheres de maquiagem carregada e vozes livres giram e giram em torno da ausência de si. A ópera de Nino Rota (1911-79) homenageia em grande estilo uma tradição burlesca que remonta a Mozart e Rossini, e ganha nova versão simpática e competente nesta montagem dirigida por Jamil Maluf no Municipal.
Nino Rota será para sempre, acima de tudo, o compositor das trilhas sonoras de filmes de Fellini (como "Amarcord" e "Noites de Cabíria"), para sempre e em segundo lugar o compositor das trilhas de filmes de Visconti ("O Leopardo", "Rocco e Seus Irmãos"), Zeffirelli ("Romeu e Julieta") e Francis Ford Coppola ("O Poderoso Chefão"), e para sempre o autor de "O Chapéu de Palha de Florença" (1955), a mais renomada de suas 12 óperas.
Rota estudou com Casella e Pizzetti, bastiões do tradicionalismo, mas também foi grande amigo de Stravinski. Sua música -tonal, seguindo ritmos e formas convencionais- reflete os dois pólos: tende mais para o passado do que para o futuro; mas deixa frestas para ventilação.
No caso do "Chapéu", cujo libreto (do próprio compositor em parceria com a mãe) baseia-se em uma comédia francesa de vaudeville, a mistura não poderia ser mais apropriada e desarma qualquer militância vanguardista. A ópera não tem pretensões; também não tem a menor ingenuidade. Encantaria Fellini e Mozart, entre outros nomes da vanguarda.
Foi o mesmo maestro Maluf quem dirigiu a montagem anterior do "Chapéu" (1993), referência para a atual. Voltaram os cenários e figurinos de Leda Senise, e voltaram o diretor de cena Marcelo Marchioro e os solistas Sandro Christopher e Regina Elena Mesquita. Impagáveis como o marido traído e a baronesa lasciva, os dois têm seu contraparte cômico em Peppes do Vale, fazendo o pai da noiva. Não há nada mais difícil em ópera do que a comédia -até porque não há nada mais difícil na vida, e a ópera é a vida exagerada. Ninguém deseja para si o papel de Nonancourt, Beaupertuis, ou da baronesa; mas quem não quer se divertir no palco como Vale, Christopher e Mesquita?
Resposta 1) Luciano Botelho, no papel principal (o noivo). Um ano atrás, o tenor roubou a cena no espetáculo "Barroco!". Volta à cidade para confirmar seu nome como um dos maiores talentos no país. 2) Edna D'Oliveira, a noiva, cada vez mais à vontade na música. Um e outro perdem um pouco onde a encenação ultrapassa aquele limite vago que separa o cômico do "cômico"; mas recuperam depois, com sobra, o que o "teatro" abafou.
Vale o mesmo para Sebastião Teixeira e Gabriella Pace (os adúlteros); para José Gnecco (o tio), Samira Moreira (a modista) e o bom coro (especialmente nas grandes cenas finais). Talvez não seja mais possível, mesmo, fazer farsa sem cair em maneirismos de maneirismos.
A Vida Exagerada; ou A Vida Como Ela Quer Ser: no cinema, por exemplo. Em René Clair, que dirigiu um "Chapéu de Palha" mudo, em 1927, homenageado aqui com a projeção de cenas, fazendo as vezes de prólogo, durante a abertura orquestral. Não são muitas intervenções desse tipo, numa montagem que faz pouco alarde de suas próprias virtudes. As pontuações dos "encenadores" -bem-humorado teatro do teatro só fazem a platéia rir, sem nenhuma pompa de autoconsciência.
Quem resiste, afinal, a uma ópera cujo grande tema de amor é uma citação de "Cheek to Cheek"? Fred Astaire, Rossini, vaudeville, cinema mudo, "Così Fan Tutte" o que mais? Puccini (harmonias calientes), e Stravinski (politonalimos). Tudo isso se mistura num torvelinho de paixões não muito sérias, reencenadas com toda graça no centro da cidade mais sem graça do país.


O Chapéu de Palha de Florença   
Com: Solistas e Orquestra Experimental de Repertório
Regente: Jamil Maluf
Onde: teatro Municipal (pça. Ramos de Azevedo, s/nš, tel. 0/xx/11/222-8698)
Quando: amanhã e sexta, às 20h30; domingo, às 17h
Quanto: de R$ 15 a R$ 100



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