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MÚSICA ERUDITA/CRÍTICA
A vida como ela quer ser
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
O chapéu de palha é de Florença, mas podia ser do Panamá, ou da Botocúndia. Está no centro de tudo -ou melhor, não
está: sumiu-, mas é o que menos
importa, enquanto esses homens e
mulheres de maquiagem carregada e vozes livres giram e giram em
torno da ausência de si. A ópera de
Nino Rota (1911-79) homenageia
em grande estilo uma tradição
burlesca que remonta a Mozart e
Rossini, e ganha nova versão simpática e competente nesta montagem dirigida por Jamil Maluf no
Municipal.
Nino Rota será para sempre, acima de tudo, o compositor das trilhas sonoras de filmes de Fellini
(como "Amarcord" e "Noites de
Cabíria"), para sempre e em segundo lugar o compositor das trilhas de filmes de Visconti ("O Leopardo", "Rocco e Seus Irmãos"),
Zeffirelli ("Romeu e Julieta") e
Francis Ford Coppola ("O Poderoso Chefão"), e para sempre o autor de "O Chapéu de Palha de Florença" (1955), a mais renomada de
suas 12 óperas.
Rota estudou com Casella e Pizzetti, bastiões do tradicionalismo,
mas também foi grande amigo de
Stravinski. Sua música -tonal,
seguindo ritmos e formas convencionais- reflete os dois pólos:
tende mais para o passado do que
para o futuro; mas deixa frestas
para ventilação.
No caso do "Chapéu", cujo libreto (do próprio compositor em
parceria com a mãe) baseia-se em
uma comédia francesa de vaudeville, a mistura não poderia ser
mais apropriada e desarma qualquer militância vanguardista. A
ópera não tem pretensões; também não tem a menor ingenuidade. Encantaria Fellini e Mozart,
entre outros nomes da vanguarda.
Foi o mesmo maestro Maluf
quem dirigiu a montagem anterior do "Chapéu" (1993), referência para a atual. Voltaram os cenários e figurinos de Leda Senise, e
voltaram o diretor de cena Marcelo Marchioro e os solistas Sandro
Christopher e Regina Elena Mesquita. Impagáveis como o marido
traído e a baronesa lasciva, os dois
têm seu contraparte cômico em
Peppes do Vale, fazendo o pai da
noiva. Não há nada mais difícil em
ópera do que a comédia -até
porque não há nada mais difícil na
vida, e a ópera é a vida exagerada.
Ninguém deseja para si o papel de
Nonancourt, Beaupertuis, ou da
baronesa; mas quem não quer se
divertir no palco como Vale,
Christopher e Mesquita?
Resposta 1) Luciano Botelho, no
papel principal (o noivo). Um ano
atrás, o tenor roubou a cena no espetáculo "Barroco!". Volta à cidade para confirmar seu nome como
um dos maiores talentos no país.
2) Edna D'Oliveira, a noiva, cada
vez mais à vontade na música. Um
e outro perdem um pouco onde a
encenação ultrapassa aquele limite vago que separa o cômico do
"cômico"; mas recuperam depois,
com sobra, o que o "teatro" abafou.
Vale o mesmo para Sebastião
Teixeira e Gabriella Pace (os adúlteros); para José Gnecco (o tio),
Samira Moreira (a modista) e o
bom coro (especialmente nas
grandes cenas finais). Talvez não
seja mais possível, mesmo, fazer
farsa sem cair em maneirismos de
maneirismos.
A Vida Exagerada; ou A Vida
Como Ela Quer Ser: no cinema,
por exemplo. Em René Clair, que
dirigiu um "Chapéu de Palha"
mudo, em 1927, homenageado
aqui com a projeção de cenas, fazendo as vezes de prólogo, durante a abertura orquestral. Não são
muitas intervenções desse tipo,
numa montagem que faz pouco
alarde de suas próprias virtudes.
As pontuações dos "encenadores"
-bem-humorado teatro do teatro só fazem a platéia rir, sem nenhuma pompa de autoconsciência.
Quem resiste, afinal, a uma ópera cujo grande tema de amor é
uma citação de "Cheek to Cheek"?
Fred Astaire, Rossini, vaudeville,
cinema mudo, "Così Fan Tutte" o
que mais? Puccini (harmonias calientes), e Stravinski (politonalimos). Tudo isso se mistura num
torvelinho de paixões não muito
sérias, reencenadas com toda graça no centro da cidade mais sem
graça do país.
O Chapéu de Palha de Florença
Com: Solistas e Orquestra Experimental
de Repertório
Regente: Jamil Maluf
Onde: teatro Municipal (pça. Ramos de
Azevedo, s/nš, tel. 0/xx/11/222-8698)
Quando: amanhã e sexta, às 20h30;
domingo, às 17h
Quanto: de R$ 15 a R$ 100
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