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São Paulo, terça-feira, 25 de março de 2003

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FERNANDO BONASSI

Texto para leitura

O que dizer por todos esses livros no zoológico das estantes?
Livros são animais sexuados: livros são metidos, livros são gestados, livros são paridos. Livros crescem, como meninos. Livros sangram, como meninas. Livros infantis com idéias de aprendiz. Livros de aventura pra estimular a travessura. Livros de iniciação pras pessoas em formação. Todo livro é um livro da vida (mesmo os livros de contabilidade, que são livros de dívidas). Livros de poesia controlam a azia. Livros de História fortalecem a memória. Livros de viagem aperfeiçoam a paisagem. Livros de religião aumentam a devoção. Livros de química servem pra misturar. Livros de teste, pra confundir. Livros de lógica, pra entender. Livros didáticos, pra explicar. Livros revolucionários são livros vermelhos espetados no ar. Livres pra reclamar, livros de arrepiar!
Mas... com quantos livros se faz uma pessoa?
Livros de tabuada pra conta calculada. Livros de auto-ajuda praquilo que não muda. Livros de lazer pra quem tem muito o que fazer. Livros de direito pra homens de respeito. Livro de reza quando a coisa pesa. Livros em liquidação para leitores sem condição. Livros de oratória, livros de ortografia, livros de culinária, livros de psicologia. Livros em orgia. Livros pornográficos levados pra cama. Livros de etiqueta pra pôr a mesa. Livros sádicos. Livros trágicos. Livros míticos. Livros pro alimento do espírito e dos editores. Livros pra vaidade dos escritores. Livros especiais. Livros espaciais. Livros de colecionadores. Livros de informática são livros de computador. Livros de condolências são livros cheios de dor. Livros ensinam a ler. Livros pro humor. Livros pra quem quiser ver. Livros loucos pra saber. Livros com ilustração auxiliam a compreensão. Livros beijados, livros mordidos. Livros apalpados, livros espremidos. Livros lambidos como frutos escorridos. Livros embebidos. Livros embevecidos. Livros abraçados como casais apaixonados. Livros são romances cultivados. São feridas, são repastos. Livros passados de mão em mão, como boas biscas. Livros de arte. Livros de artistas. Páginas arrancadas sem vergonha, livros fumados com maconha. Livros de piada. Sacos de risada. Palavras cruzadas e frases alinhavadas. Livros depenados. Livros invocados. Livros em conflito. Páginas de livros processados em juízo. Livros censurados. Livros permissivos. Os livros das sopas, os livros dos sonhos, o livro dos molhos. Livros molhados nos clubes de livros. Livros de ocorrência. Livros policiais. Livros de referência. Livros originais. Livro pra orientação num universo em expansão. Livros equivocados. Livros inquisitivos. Livros engavetados. Livros recolhidos. Livros esmagados nos ônibus lotados. Livros encoxados, livros encolhidos. Livros espalhados por baixo dos estrados. Livros deflorados. Livros chacoalhados. Livros escondidos. Livros arremessados nos divórcios acalorados. Livros feito espadas. Livros como escudos. Livros que berram e livros que são mudos. O pior livro de cego é aquele que não quer se ler. Livros na ponta da língua. Livros com a ponta dos dedos. Livros engrossam, como rapazes. Livros melhoram, como mulheres. Livros murchos, livros sujos, livros finos. Livros como manda o figurino. Livros de moda. Livros em falta. Livros de sobra. Livros que cheiram bem e livros que cheiram mal (livros de renúncia fiscal). Livros roubados. Livros comprados. Livros vendidos. Árvores de livros abatidos. Livros de cabeceria. A fertilidade dos livros de madeira. Livros exibidos como corpos oferecidos. Livros safados. Livros falados. Livros sorvidos. Livros conservadores nas gavetas dos doutores. Livros emocionais pra cólicas menstruais. Livros de regime. Livros de política. Livros de ótica. Livros de crítica. Livros diários são livros crônicos, são livros cômicos, são livros tônicos. Dicionários de livros explicados. Raciocínios apalavrados. Teses de mestrado. Bolsas de livros financiados. Tomos, tombos, citações. Parágrafos, capítulos, correções. Publicações, polêmicas, opiniões. Livros importados. Livros transportados. Livros traduzidos. Livros encomendados, livros encarecidos. Livros encardenados como faraós embalsamados. Livros aposentados. Livros comentando livros. Livros lavrados em cartórios hereditários. Livros aplicados e homens especializados. Diplomas de livros emparedados. Livros emparelhados. Bibliotecas de livros amontoados. Sebos empoeirados. Livros decorados são livros encruados são livros mal comidos. Livros devorados por vermes aculturados. Livros bichados. Livros suados. Livros vencidos. Caixas e caixas de livros caixa. Arquivos mortos em pandemônio, as fortunas dos livros de patrimônio. Livros de capas trocadas, capas disfarçadas, capas ofensivas. Livros de capas ousadas. Capas proibidas. Os livros contra capas. Os lidos pelas costas. Livros sádicos, livros cínicos, livros mágicos. Livros lívidos, livros épicos, livros bíblicos. Livros lidos como vícios. Livros de sacrifícios. Todo homem é um livro aberto. Todo livro acha que é certo. Escreveu, não leu, continua sendo livro. Já no início era verbo! Larga a mão de ser burro e leia.


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