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FERNANDO BONASSI
Texto para leitura
O que dizer por todos esses
livros no zoológico das estantes?
Livros são animais sexuados: livros são metidos, livros são gestados, livros são paridos. Livros
crescem, como meninos. Livros
sangram, como meninas. Livros
infantis com idéias de aprendiz.
Livros de aventura pra estimular
a travessura. Livros de iniciação
pras pessoas em formação. Todo
livro é um livro da vida (mesmo
os livros de contabilidade, que são
livros de dívidas). Livros de poesia controlam a azia. Livros de
História fortalecem a memória.
Livros de viagem aperfeiçoam a
paisagem. Livros de religião aumentam a devoção. Livros de química servem pra misturar. Livros
de teste, pra confundir. Livros de
lógica, pra entender. Livros didáticos, pra explicar. Livros revolucionários são livros vermelhos espetados no ar. Livres pra reclamar, livros de arrepiar!
Mas... com quantos livros se faz
uma pessoa?
Livros de tabuada pra conta
calculada. Livros de auto-ajuda
praquilo que não muda. Livros de
lazer pra quem tem muito o que
fazer. Livros de direito pra homens de respeito. Livro de reza
quando a coisa pesa. Livros em liquidação para leitores sem condição. Livros de oratória, livros de
ortografia, livros de culinária, livros de psicologia. Livros em orgia. Livros pornográficos levados
pra cama. Livros de etiqueta pra
pôr a mesa. Livros sádicos. Livros
trágicos. Livros míticos. Livros
pro alimento do espírito e dos editores. Livros pra vaidade dos escritores. Livros especiais. Livros
espaciais. Livros de colecionadores. Livros de informática são livros de computador. Livros de
condolências são livros cheios de
dor. Livros ensinam a ler. Livros
pro humor. Livros pra quem quiser ver. Livros loucos pra saber.
Livros com ilustração auxiliam a
compreensão. Livros beijados, livros mordidos. Livros apalpados,
livros espremidos. Livros lambidos como frutos escorridos. Livros
embebidos. Livros embevecidos.
Livros abraçados como casais
apaixonados. Livros são romances cultivados. São feridas, são repastos. Livros passados de mão
em mão, como boas biscas. Livros
de arte. Livros de artistas. Páginas arrancadas sem vergonha, livros fumados com maconha. Livros de piada. Sacos de risada.
Palavras cruzadas e frases alinhavadas. Livros depenados. Livros invocados. Livros em conflito. Páginas de livros processados
em juízo. Livros censurados. Livros permissivos. Os livros das sopas, os livros dos sonhos, o livro
dos molhos. Livros molhados nos
clubes de livros. Livros de ocorrência. Livros policiais. Livros de
referência. Livros originais. Livro
pra orientação num universo em
expansão. Livros equivocados. Livros inquisitivos. Livros engavetados. Livros recolhidos. Livros esmagados nos ônibus lotados. Livros encoxados, livros encolhidos.
Livros espalhados por baixo dos
estrados. Livros deflorados. Livros
chacoalhados. Livros escondidos.
Livros arremessados nos divórcios acalorados. Livros feito espadas. Livros como escudos. Livros
que berram e livros que são mudos. O pior livro de cego é aquele
que não quer se ler. Livros na
ponta da língua. Livros com a
ponta dos dedos. Livros engrossam, como rapazes. Livros melhoram, como mulheres. Livros murchos, livros sujos, livros finos. Livros como manda o figurino. Livros de moda. Livros em falta. Livros de sobra. Livros que cheiram
bem e livros que cheiram mal (livros de renúncia fiscal). Livros
roubados. Livros comprados. Livros vendidos. Árvores de livros
abatidos. Livros de cabeceria. A
fertilidade dos livros de madeira.
Livros exibidos como corpos oferecidos. Livros safados. Livros falados. Livros sorvidos. Livros conservadores nas gavetas dos doutores. Livros emocionais pra cólicas
menstruais. Livros de regime. Livros de política. Livros de ótica.
Livros de crítica. Livros diários
são livros crônicos, são livros cômicos, são livros tônicos. Dicionários de livros explicados. Raciocínios apalavrados. Teses de mestrado. Bolsas de livros financiados. Tomos, tombos, citações. Parágrafos, capítulos, correções. Publicações, polêmicas, opiniões. Livros importados. Livros transportados. Livros traduzidos. Livros
encomendados, livros encarecidos. Livros encardenados como
faraós embalsamados. Livros
aposentados. Livros comentando
livros. Livros lavrados em cartórios hereditários. Livros aplicados
e homens especializados. Diplomas de livros emparedados. Livros emparelhados. Bibliotecas de
livros amontoados. Sebos empoeirados. Livros decorados são livros
encruados são livros mal comidos. Livros devorados por vermes
aculturados. Livros bichados. Livros suados. Livros vencidos. Caixas e caixas de livros caixa. Arquivos mortos em pandemônio,
as fortunas dos livros de patrimônio. Livros de capas trocadas, capas disfarçadas, capas ofensivas.
Livros de capas ousadas. Capas
proibidas. Os livros contra capas.
Os lidos pelas costas. Livros sádicos, livros cínicos, livros mágicos.
Livros lívidos, livros épicos, livros
bíblicos. Livros lidos como vícios.
Livros de sacrifícios. Todo homem
é um livro aberto. Todo livro acha
que é certo. Escreveu, não leu,
continua sendo livro. Já no início
era verbo! Larga a mão de ser
burro e leia.
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