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São Paulo, terça-feira, 25 de março de 2003

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CRÍTICA

Ferreira Gullar dá um nó no tempo

XICO SÁ
CRÍTICO DA FOLHA

Que diabos o poeta Ferreira Gullar, tido e havido como o maior entre os bardos vivos do país, está fazendo a essa hora na TV? O lesado do sofá toma um bom susto. E se não for um maníaco do controle remoto, escuta coisas sábias, revigora as retinas, os sentidos. Idéias fora de lugar? Esqueça a televisão, sinta-se em uma palestra para poucos.
Gullar, 72, apresenta "Gerações", na Rede Sesc Senac, toda quarta-feira, 22h, e reapresentado hoje às 13h45. Obra da produtora Pólo, o programa é sobre o tempo. Trata o assunto com sabedoria e sem a correria desembestada dos mais jovens. Na prosa com visitantes convidados, o processo de envelhecimento é discutido sem rancor.
O tal do público-alvo seria a terceira idade. Ledo engano. O programa deve ser obrigatório mesmo é para os moços, pobres garotos perdidos, além das afilhadas do velho Balzac, essas criaturas que lutam, mesmo antes dos 30, armadas de silicones e botox até os dentes, contra a ordem natural das coisas.
Repare só como é fino o programa do autor de "A Luta Corporal". A última edição, que pode ser revista hoje, falou sobre a memória do trabalho. A labuta antes da invasão das máquinas, as profissões que dançaram no tempo, as relações entre patrões e empregados, a velha e atualíssima mais-valia que resistiu ao cartão de ponto magnético.
Gullar, antigo comuna, hoje de credo rapidamente aberto ao liberalismo, em momento algum cai na arapuca da nostalgia pura. O tempo é outro. O poeta, que costuma deixar seus "resmungos" escritos em páginas da web, defende as almas que estão por trás das estatísticas das demissões, mas sem ignorar os avanços do parque industrial.
No mesmo programa, os convidados foram o ex-sindicalista (pré-Lula no ABC) Philadelpho Braz e Ligia Palhares, do projeto Memória, do Senac SP. Meia hora de boa prosa garantida, pois o maranhense, como mostra George Moura no livro "Ferreira Gullar entre o Espanto e o Poema" (editora Relume Dumará), sempre foi um grande animador de mesas do Rio de Janeiro.
A TV não é o melhor lugar para um poeta-mor, que já escreveu, tempos outros, teledramas para a Globo. Mas é ótimo que ele esteja lá todos os dias, longe da torre de marfim, desafiando os bonitinhos mas ordinários, os Peter Pans que teimam em não crescer.


Gerações    
Quando: hoje, na Rede Sesc Senac, às 13h45



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