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CRÍTICA
Ferreira Gullar dá um nó no tempo
XICO SÁ
CRÍTICO DA FOLHA
Que diabos o poeta Ferreira
Gullar, tido e havido como o
maior entre os bardos vivos do
país, está fazendo a essa hora na
TV? O lesado do sofá toma um
bom susto. E se não for um maníaco do controle remoto, escuta
coisas sábias, revigora as retinas,
os sentidos. Idéias fora de lugar?
Esqueça a televisão, sinta-se em
uma palestra para poucos.
Gullar, 72, apresenta "Gerações", na Rede Sesc Senac, toda
quarta-feira, 22h, e reapresentado
hoje às 13h45. Obra da produtora
Pólo, o programa é sobre o tempo. Trata o assunto com sabedoria e sem a correria desembestada dos mais jovens. Na prosa com visitantes convidados, o processo
de envelhecimento é discutido sem rancor.
O tal do público-alvo seria a terceira idade. Ledo engano. O programa deve ser obrigatório mesmo é para os moços, pobres garotos perdidos, além das afilhadas
do velho Balzac, essas criaturas
que lutam, mesmo antes dos 30,
armadas de silicones e botox até
os dentes, contra a ordem natural
das coisas.
Repare só como é fino o programa do autor de "A Luta Corporal". A última edição, que pode
ser revista hoje, falou sobre a memória do trabalho. A labuta antes
da invasão das máquinas, as profissões que dançaram no tempo,
as relações entre patrões e empregados, a velha e atualíssima mais-valia que resistiu ao cartão de
ponto magnético.
Gullar, antigo comuna, hoje de
credo rapidamente aberto ao liberalismo, em momento algum cai
na arapuca da nostalgia pura. O
tempo é outro. O poeta, que costuma deixar seus "resmungos"
escritos em páginas da web, defende as almas que estão por trás
das estatísticas das demissões,
mas sem ignorar os avanços do
parque industrial.
No mesmo programa, os convidados foram o ex-sindicalista
(pré-Lula no ABC) Philadelpho
Braz e Ligia Palhares, do projeto
Memória, do Senac SP. Meia hora
de boa prosa garantida, pois o
maranhense, como mostra George Moura no livro "Ferreira Gullar entre o Espanto e o Poema"
(editora Relume Dumará), sempre foi um grande animador de
mesas do Rio de Janeiro.
A TV não é o melhor lugar para
um poeta-mor, que já escreveu,
tempos outros, teledramas para a
Globo. Mas é ótimo que ele esteja
lá todos os dias, longe da torre de
marfim, desafiando os bonitinhos
mas ordinários, os Peter Pans que
teimam em não crescer.
Gerações
Quando: hoje, na Rede Sesc Senac, às
13h45
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