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Gigante do ringue
Presidente da Sony BMG no Brasil aponta fusão como resultado da crise na produção musical
THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL
No último 9 de março, foi oficializado o nascimento da atual
maior gravadora do Brasil.
O parto teve início em novembro de 2003, quando as gigantes
Sony (de origem japonesa) e
BMG (alemã) anunciaram a decisão de unir forças, realizar uma
fusão entre as duas companhias.
A notícia tomou as atenções da
indústria fonográfica e foi alvo de
reclamação principalmente entre
os independentes, que viam a estratégia como mais uma forma de
concentração de poder num já
concentrado mercado -as cinco
grandes (EMI, Sony, Universal,
BMG e Warner) eram responsáveis, em 2003, por mais de 75%
das vendas de discos no mundo.
As queixas não deram resultado. Em julho, a fusão foi aprovada
na Europa. Em dezembro, nos
EUA. Neste mês, a agora Sony
BMG ganhou luz verde do Cade
(Conselho Administrativo de Defesa Econômica), no país, o que a
transforma na maior gravadora
do Brasil, dona de 28,6% do mercado e casa de 56 artistas nacionais. Roberto Carlos, Skank, Zezé
Di Camargo & Luciano, Chico
Buarque e KLB, além de George
Michael e Avril Lavigne, entre outros, estão sob o mesmo teto.
O principal executivo desse novo gigante do mundo fonográfico
é Alexandre Schiavo, 36, que comandará a empresa no Rio. Na última terça-feira, ele falou à Folha,
por telefone, sobre os rumos da
companhia, mercado de CDs e
afirmou: "A gravadora deixou de
ser um banco".
Folha - Antes havia cinco grandes
gravadoras, agora o mercado está
centralizado em quatro. Se já existia uma concentração de poder,
com a fusão isso não aumentará?
Alexandre Schiavo - A fusão é
uma questão de necessidade,
aconteceu não porque o mercado
estivesse favorável a isso; ocorreu
por motivo da crise da indústria
da música no mundo. Essa crise
foi gerada pela pirataria física e
eletrônica -na América do Sul,
mais pela física. Nos EUA, a pirataria eletrônica é maior do que a
física. A fusão aconteceu para termos uma gravadora mais forte
para enfrentarmos esses problemas. A concentração de poder é
relativa, há vários selos independentes fortes. O artista tem opção.
Folha - Daqui para a frente a
maior preocupação da indústria será a pirataria física ou a digital?
Schiavo - As duas. A pirataria digital ainda não é tão forte. Há uma
baixa penetração de computadores aqui no Brasil, por enquanto.
O problema atual é a pirataria física, que toma 60% do mercado.
Folha - Mas uma parcela de culpa
disso também não é das gravadoras, já que o grande motivador de
compra do CD pirata é o preço baixo, e as gravadoras vendem seus
discos a preços bem mais altos?
Schiavo - Essa história de que o
CD é caro é mentira. Você pode ir
a qualquer grande loja ou supermercado e encontrar CDs que vão
de R$ 6 a R$ 14, R$ 15. Mas uma
coisa é impossível: fazer o CD novo de um artista custar R$ 10 ou
R$ 12. Para divulgar esse artista temos um investimento enorme.
Então o preço do CD é compatível
com o valor desse investimento.
Folha - Qual seria o valor mínimo,
nas lojas, de um CD novo?
Schiavo - O valor mínimo, para o
consumidor, dependendo da loja,
fica entre R$ 22 e R$ 30.
Folha - Então não dá para vender
um CD novo a menos de R$ 22?
Schiavo - Lançamento, não.
Folha - As gravadoras reclamam
que a troca de arquivos de MP3 esteja matando essa indústria. Mas
parece não haver nenhum tipo de
movimentação dessas empresas de
se integrar nesse negócio, há apenas retaliação. As gravadoras não
estão engessadas?
Schiavo - Depende. Agora o
mercado digital na Europa e nos
EUA é muito importante. No caso
do Brasil, não temos base [mercado] que faça ser viável, ainda,
montar uma estrutura para vender downloads. O exemplo da Apple [com o iTunes] é perfeito: já
venderam mais de 100 milhões de
canções, está mudando o hábito
das pessoas.
Folha - Mas isso não chegou no
Brasil...
Schiavo - Porque aqui ainda não
há mercado para isso. Se você fizer uma promoção de download,
será muito pequena. Mas há um
certo engessamento por causa das
editoras, de discussão de percentuais de remuneração de direitos.
Folha - Quando isso vai mudar?
Schiavo - Depende da economia,
se ficar mais forte, crescer, as pessoas vão comprar mais computadores, mais gente comprará tocadores de MP3. Não adianta agora
fazer um enorme investimento,
criar um site de download de música, pois não temos público significativo para isso. Ainda estamos
muito presos ao formato físico.
Folha - A vendagem de DVDs vem
subindo ano a ano, enquanto a de
CDs está em declínio. O DVD é um
formato a seguir?
Schiavo - Não tenho dúvida. O
público quer o DVD. E, melhor
ainda: no Brasil, consome-se uma
alta taxa de DVDs musicais.
Folha - Há uma idéia geral de que
existe uma certa estagnação artística no Brasil, de que só se investe
nos formatos de retorno certo, como discos ao vivo ou acústicos. Essa
estratégia não prejudica o aparecimento de novos artistas?
Schiavo - Há uma crise na produção musical, mas isso não é culpa da gravadora. É uma crise de
criatividade, e não há um gênero
musical que seja dominante, como havia na época do axé ou do
forró. Além disso, há um trabalho
de renegociação com artistas
grandes que assinaram contratos
pesados, numa época totalmente
diferente. A gravadora não é mais
um banco; não damos mais
adiantamentos de R$ 500 mil, R$
1 milhão. Hoje trabalhamos com
artistas como numa parceria.
Folha - Sobre a fusão, foi noticiado nos EUA que ela acarretará em
demissão de mais de 2.000 funcionários, numa tentativa de cortar
cerca de US$ 300 milhões em custos. Esses números são concretos?
Schiavo - Isso [os cortes] já estava acontecendo antes da fusão.
Tanto a BMG como a Sony demitiram muita gente, justamente
por causa dessa crise no mercado.
No Brasil, temos 135 empregados.
Nos anos 90, só a Sony chegou a
ter quase 600 funcionários; a
BMG já teve por volta de 200.
Folha - Os selos independentes
dizem que o modelo de negócio das
grandes gravadoras se esgotou,
que há necessidade de se encontrar
novas formas de negociar música.
Existe esse exame de consciência,
de que algo deve mudar?
Schiavo - Isso já vem mudando,
hoje estamos mais adequados à
realidade. Antes todo o risco de
um contrato era sempre da gravadora. Agora continua sendo, mas
em vez de darmos antes uma cifra
milionária para um artista e o risco ser muito maior, hoje o artista
vai ganhar conforme o retorno
que ele dê. Mas muitas independentes criticam as grandes gravadoras, só que montam operações
iguais à das grandes gravadoras.
Acho irônico alguns levantarem
essa bandeira do pseudo-independente quando na verdade ele
quer é ser grande.
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