São Paulo, sexta-feira, 25 de março de 2005

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"ADORÁVEL JULIA"

István Szabó se perde no tema teatral e no louvor à protagonista

PAULO SANTOS LIMA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

O teatro cai como uma luva em filmes sobre personagens em crise existencial e às voltas com seus fantasmas e chiliques, permitindo uma aproximação (inclusive física, por meio da câmera) com as idiossincrasias do protagonista. É assim em "Adorável Julia", de István Szabó, que usa o mundo do tablado para acompanhar fielmente sua atriz.
Um problema, porque temos uma adesão irrestrita do filme à egocêntrica Julia (Annette Bening), atriz notável, mas agressiva, que leva sempre o "acting" dos palcos para a vida, com marido, filho e amigos. Não só, anda enfastiada do casamento com Michael (Jeremy Irons), e a crise da meia-idade a faz acreditar que seu corpo está desmoronando. Insuportável, esta é a palavra para definir Julia.
Daí que esta mulher acaba se envolvendo com um jovem fã, Tom (Shaun Evans), que, descobriremos à frente, é um aproveitador. Surge ainda uma pragmática (e jovem) atriz que lança charme aos homens do filme, pedra no sapato de Julia, que arquitetará justiça e volta por cima.
O filme coloca, então, sua afetada protagonista acima de todos, justificando assim a pequenez egoísta de Julia. Algo recorrente na filmografia de Szabó, aliás, que jamais foi brechtiano na composição de seus personagens. Não é por menos que os homens de "Coronel Redl" e "Mephisto", por exemplo, jamais tiveram suas ações postas em juízo.
A falta de pudor na babação à sua protagonista é acompanhada pelo típico estilo anêmico de Szabó filmar. Quase tão tímido quanto alguns filmes sonoros do início dos anos 30 (aliás, a história se passa na Londres de 1938), "Adorável Julia" trabalha com plano aberto que, logo depois, fecha-se nos closes alternados. Na ausência de um trabalho mais elaborado com as imagens, o tema teatral, parece, fez Szabó não se acanhar com o excesso de falatório.
Aí que a referência imediata seja "A Malvada". E seu oposto: também sobre o mundo teatral, e com atriz temperamental, este clássico de Joseph L. Mankiewicz vê glamour na Eve de Bette Davis, mas não abandona certo cinismo. O filme deixa claro, desde sempre: Eve é maravilhosa mas também uma chata de galocha. Porque se o tema do filme é a atriz, há uma multiplicidade de olhares (e juízos) de uma câmera que segue não poucos personagens, todos eles falando sobre Eve, e com um texto tão espetacular, tão além do nosso prosaico, que nos causa certo distanciamento.
Mankiewicz é brechtiano no uso da linguagem cinematográfica enquanto a câmera de Szabó opta por um caminhar menos moderno, mais fiel a um olhar único sobre a protagonista. O que faz lembrar de outro personagem e filme, o borra-botas de "O Conformista", de Bertolucci, que vende a alma à segurança, mesmo que a do fascismo.


Adorável Julia
Being Julia
 
Direção: István Szabó
Produção: Inglaterra/Canadá/EUA/ Hungria, 2004
Com: Annette Bening e Jeremy Irons
Quando: a partir de hoje no Lumière, Top Cine e circuito



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