São Paulo, sexta-feira, 25 de março de 2005

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CINEMA

Filmes começam a mostrar indiretamente efeitos dos ataques terroristas de 2001 nas almas dos norte-americanos

O 11 de Setembro em breve entra em cartaz

STEPHEN FARBER
DO "NEW YORK TIMES", EM LOS ANGELES

Pelo menos mais um ano vai passar antes que Hollywood, notoriamente cautelosa quanto a produzir filmes sobre acontecimentos atuais, esteja pronta para enfrentar de frente o trauma do 11 de Setembro. A Universal Pictures está desenvolvendo um roteiro sobre os dois últimos funcionários da Port Authority de Nova York retirados vivos de sob os escombros do World Trade Center, e a Columbia Pictures adquiriu recentemente os direitos sobre "102 Minutes", livro de Jim Dwyer e Kevin Flynn, repórteres do "New York Times", sobre os ataques terroristas.
Certamente "A Última Noite", de Spike Lee, filme sobre um criminoso lançado pela Touchstone em 2002, reconhecia os atentados, por meio de cenas que mostravam a paisagem desolada do local do ataque. (E o TriBeCa Film Festival anunciou planos para exibir "The Great New Wonderful" [a grande nova maravilha], comédia independente de humor negro financiada por investidores independentes e dirigida por Danny Leiner, de "Cara, Cadê Meu Carro?", que se passa em Nova York no período que se segue ao 11 de Setembro.)
Mas o impacto verdadeiro daquele momento terrível sobre o cinema chegou de maneira silenciosa, em letra pequena, espalhado por diversos novos filmes sem conteúdo político, mas repletos de um senso profundo de pesar, nascido da tragédia.
A perda súbita sempre foi um dos temas essenciais do cinema, mas a visão norte-americana do assunto sempre tendeu a histórias inspiradoras, que mostram superação. Na temporada mais sombria que nos aguarda, porém, a morte recuperou seu aguilhão. O filme de suspense "O Amigo Oculto", com Robert De Niro, dramatiza o distanciamento quase catatônico que uma menina sofre depois do suicídio de sua mãe, ainda que a premissa baseada na sensação de mortalidade termine por se tornar um filme de terror cheio de clichês. Outro filme recente, "Medo X", é um suspense psicológico mais assustador, com John Turturro como um segurança devastado pela morte de sua mulher, assassinada em um misterioso tiroteio. "Winter Solstice" [solstício de inverno], que estréia em abril, é um drama sutil sobre um viúvo, Anthony LaPaglia, e seus dois filhos, cujas vidas são abaladas pela morte acidental de sua mulher. Em "Bereft" [desprovida], uma fotógrafa, interpretada por Vinessa Shaw, é incapaz de absorver a morte do marido -por isso está paralisada.
"Imaginary Heroes" [heróis imaginários] começa com o suicídio de um astro adolescente da natação e detalha as reações às vezes bizarras de seus pais (Sigourney Weaver e Jeff Daniels) e do irmão mais novo (Emile Hirsch). E em "The Upside of Anger" [o lado positivo da raiva], Joan Allen se entrega a surtos de raiva e desespero embriagado depois que seu marido desaparece e a deixa com a responsabilidade pela criação de quatro filhas.
A superação e a cura fazem parte de alguns desses novos filmes, mas têm papel menor na história; a maioria dos trabalhos gira em torno de personagens que estão aprisionados por uma síndrome de raiva e medo que os domina por meses ou até anos, depois do evento traumático que a precipita. Transmitem uma profunda tristeza que em alguns casos tem muito a ver com uma conexão subliminar ao estado de espírito posterior ao 11 de Setembro, no qual esses filmes, que tratam todos de períodos prolongados, transcorrem.
De maneira reveladora, os personagens nessa sombria leva de filmes são todos devastados por um acontecimento súbito e violento, e não pela morte de um membro da família depois de uma longa enfermidade.
De todos esses filmes, "The Upside of Anger" é o que exibe uma ligação mais explícita com os acontecimentos do 11 de Setembro. Mike Binder, diretor e roteirista, lembra que "eu estava com Joan Allen na noite de 10 de setembro de 2001. Ela foi a um jantar no Jockey Club de Nova York, promovido pela HBO para comemorar minha série, "Mind of the Married Man" [mente do homem casado]. Conversamos sobre um possível projeto conjunto. Na manhã seguinte, eu estava sendo entrevistado no programa "Good Morning America" quando o primeiro avião atingiu o World Trade Center. Comecei a escrever o roteiro de "The Upside of Anger" na mesma semana. Era um momento de muita raiva. Os militantes do Oriente Médio estavam zangados. Os europeus estavam zangados. Era como se a personagem do meu filme caminhasse até uma daquelas multidões furiosas que víamos na televisão e desaparecesse em meio a ela".
Se esses novos filmes estão tratando de forma indireta da perturbação social, se comportam de maneira bastante característica do cinema norte-americano. Durante a controversa era da Guerra do Vietnã, poucos filmes de Hollywood tratavam diretamente do conflito. Filmes importantes sobre o Vietnã -entre os quais "O Amargo Regresso", "O Franco Atirador" e "Platoon"- foram rodados anos depois do final da guerra. Mas era possível perceber a rebeldia, o niilismo e o desespero da era em filmes como "Bonnie e Clyde Uma Rajada de Balas", "Meu Ódio Será Tua Herança" e "Sem Destino".
Os filmes estrangeiros têm probabilidade muito maior de tratar de temas controversos de maneira direta e rápida. Pouco depois da queda do Taleban, no Afeganistão, o diretor Siddiq Barmak realizou "Osama", drama sobre a opressão de mulheres pelo regime derrubado. Um novo documentário espanhol, "A Paz de Zahira", sobre um sobrevivente dos atentados contra o serviço ferroviário de Madri no ano passado, já está sendo exibido em rede nacional de televisão, na Espanha. Os cineastas e executivos de estúdios norte-americanos sempre reagiram com mais lentidão à inquietação social, talvez por medo de que as controvérsias viessem a afastar a potencial audiência.


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