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CINEMA
Filmes começam a mostrar indiretamente efeitos dos ataques terroristas de 2001 nas almas dos norte-americanos
O 11 de Setembro em breve entra em cartaz
STEPHEN FARBER
DO "NEW YORK TIMES", EM LOS ANGELES
Pelo menos mais um ano vai
passar antes que Hollywood, notoriamente cautelosa quanto a
produzir filmes sobre acontecimentos atuais, esteja pronta para
enfrentar de frente o trauma do 11
de Setembro. A Universal Pictures está desenvolvendo um roteiro sobre os dois últimos funcionários da Port Authority de Nova
York retirados vivos de sob os escombros do World Trade Center,
e a Columbia Pictures adquiriu
recentemente os direitos sobre
"102 Minutes", livro de Jim Dwyer
e Kevin Flynn, repórteres do
"New York Times", sobre os ataques terroristas.
Certamente "A Última Noite",
de Spike Lee, filme sobre um criminoso lançado pela Touchstone
em 2002, reconhecia os atentados,
por meio de cenas que mostravam a paisagem desolada do local
do ataque. (E o TriBeCa Film Festival anunciou planos para exibir
"The Great New Wonderful" [a
grande nova maravilha], comédia
independente de humor negro financiada por investidores independentes e dirigida por Danny
Leiner, de "Cara, Cadê Meu Carro?", que se passa em Nova York
no período que se segue ao 11 de
Setembro.)
Mas o impacto verdadeiro daquele momento terrível sobre o
cinema chegou de maneira silenciosa, em letra pequena, espalhado por diversos novos filmes sem
conteúdo político, mas repletos
de um senso profundo de pesar,
nascido da tragédia.
A perda súbita sempre foi um
dos temas essenciais do cinema,
mas a visão norte-americana do
assunto sempre tendeu a histórias
inspiradoras, que mostram superação. Na temporada mais sombria que nos aguarda, porém, a
morte recuperou seu aguilhão. O
filme de suspense "O Amigo
Oculto", com Robert De Niro,
dramatiza o distanciamento quase catatônico que uma menina sofre depois do suicídio de sua mãe,
ainda que a premissa baseada na
sensação de mortalidade termine
por se tornar um filme de terror
cheio de clichês. Outro filme recente, "Medo X", é um suspense
psicológico mais assustador, com
John Turturro como um segurança devastado pela morte de sua
mulher, assassinada em um misterioso tiroteio. "Winter Solstice"
[solstício de inverno], que estréia
em abril, é um drama sutil sobre
um viúvo, Anthony LaPaglia, e
seus dois filhos, cujas vidas são
abaladas pela morte acidental de
sua mulher. Em "Bereft" [desprovida], uma fotógrafa, interpretada
por Vinessa Shaw, é incapaz de
absorver a morte do marido
-por isso está paralisada.
"Imaginary Heroes" [heróis
imaginários] começa com o suicídio de um astro adolescente da
natação e detalha as reações às vezes bizarras de seus pais (Sigourney Weaver e Jeff Daniels) e do irmão mais novo (Emile Hirsch). E
em "The Upside of Anger" [o lado
positivo da raiva], Joan Allen se
entrega a surtos de raiva e desespero embriagado depois que seu
marido desaparece e a deixa com
a responsabilidade pela criação de
quatro filhas.
A superação e a cura fazem parte de alguns desses novos filmes,
mas têm papel menor na história;
a maioria dos trabalhos gira em
torno de personagens que estão
aprisionados por uma síndrome
de raiva e medo que os domina
por meses ou até anos, depois do
evento traumático que a precipita. Transmitem uma profunda
tristeza que em alguns casos tem
muito a ver com uma conexão subliminar ao estado de espírito
posterior ao 11 de Setembro, no
qual esses filmes, que tratam todos de períodos prolongados,
transcorrem.
De maneira reveladora, os personagens nessa sombria leva de
filmes são todos devastados por
um acontecimento súbito e violento, e não pela morte de um
membro da família depois de
uma longa enfermidade.
De todos esses filmes, "The Upside of Anger" é o que exibe uma
ligação mais explícita com os
acontecimentos do 11 de Setembro. Mike Binder, diretor e roteirista, lembra que "eu estava com
Joan Allen na noite de 10 de setembro de 2001. Ela foi a um jantar no Jockey Club de Nova York,
promovido pela HBO para comemorar minha série, "Mind of the
Married Man" [mente do homem
casado]. Conversamos sobre um
possível projeto conjunto. Na manhã seguinte, eu estava sendo entrevistado no programa "Good
Morning America" quando o primeiro avião atingiu o World Trade Center. Comecei a escrever o
roteiro de "The Upside of Anger"
na mesma semana. Era um momento de muita raiva. Os militantes do Oriente Médio estavam
zangados. Os europeus estavam
zangados. Era como se a personagem do meu filme caminhasse até
uma daquelas multidões furiosas
que víamos na televisão e desaparecesse em meio a ela".
Se esses novos filmes estão tratando de forma indireta da perturbação social, se comportam de
maneira bastante característica
do cinema norte-americano. Durante a controversa era da Guerra
do Vietnã, poucos filmes de
Hollywood tratavam diretamente
do conflito. Filmes importantes
sobre o Vietnã -entre os quais
"O Amargo Regresso", "O Franco
Atirador" e "Platoon"- foram
rodados anos depois do final da
guerra. Mas era possível perceber
a rebeldia, o niilismo e o desespero da era em filmes como "Bonnie
e Clyde Uma Rajada de Balas",
"Meu Ódio Será Tua Herança" e
"Sem Destino".
Os filmes estrangeiros têm probabilidade muito maior de tratar
de temas controversos de maneira direta e rápida. Pouco depois
da queda do Taleban, no Afeganistão, o diretor Siddiq Barmak
realizou "Osama", drama sobre a
opressão de mulheres pelo regime
derrubado. Um novo documentário espanhol, "A Paz de Zahira",
sobre um sobrevivente dos atentados contra o serviço ferroviário
de Madri no ano passado, já está
sendo exibido em rede nacional
de televisão, na Espanha. Os cineastas e executivos de estúdios
norte-americanos sempre reagiram com mais lentidão à inquietação social, talvez por medo de
que as controvérsias viessem a
afastar a potencial audiência.
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