São Paulo, quarta-feira, 25 de março de 2009

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Diretor filma viagens e dilemas de Ahmadinejad

O ótimo "Cartas ao Presidente" expõe métodos populistas do presidente do Irã Tcheco Petr Lom teve aval de Teerã para acompanhar as caravanas presidenciais; o governo achou que ele faria um filme de propaganda

Divulgação
Ahmadinejad durante caravana pelo país, no documentário tcheco

LEONARDO CRUZ
EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA

Na primeira cena de "Cartas ao Presidente", uma multidão persegue o comboio onde está a câmera. Há um misto de fascinação e desespero na expressão de homens e mulheres que, com maços de papel em punho, tentam se aproximar dos veículos em movimento. Ao centro do comboio, em carro aberto, cercado por seguranças, está o presidente do Irã, um sorridente Mahmoud Ahmadinejad.
Interessante investigação sobre os métodos populistas de Ahmadinejad, o ótimo filme do tcheco Petr Lom dá largada nesta noite à 14ª edição do É Tudo Verdade. Até o próximo dia 5, em São Paulo e no Rio, o principal festival de documentários do país apresentará uma seleção da mais recente produção do gênero, no Brasil e no exterior. Brasília também receberá o evento, de 14 a 26/4.
Ao explicar a escolha para a sessão de abertura, Amir Labaki, diretor do festival e articulista da Folha, ressalta a geopolítica internacional: "Esse filme toca numa questão crucial do mundo atual, que é o Irã. Não haverá paz no Oriente Médio e no mundo sem que a questão iraniana seja equacionada".
Formado em filosofia por Harvard, Lom, 40, conta que deixou a vida acadêmica em 2003 para "fazer o que mais gostava, viajar e, mais do que qualquer coisa, contar histórias desconhecidas, que fizessem diferença no mundo".
Essa mudança de rota resultou nos documentários "Rapto de Noivas no Quirguistão", sobre a prática usual para arranjar casamentos na ex-república soviética, e "On a Tightrope" (na corda bamba), sobre os uighur, minoria muçulmana que vive no noroeste chinês sob vigília constante de Pequim. Com "Cartas ao Presidente", seu terceiro longa, Lom se tornou o primeiro estrangeiro a ter permissão para filmar as caravanas de Ahmadinejad pelo interior do país. Para convencer Teerã de que não era um espião de Washington, apresentou um plano de registrar a prática, estimulada pelo mandatário, de envio de cartas ao governo. Segundo a atual gestão, mais de 9 milhões de pessoas já escreveram para contar seus dramas e 76% das demandas foram atendidas. Teerã gostou do projeto.
Achou que Lom faria um filme de propaganda e até sugeriu batizar a obra de "Democracia em Ação". O resultado final está bem longe do título proposto. "Cartas ao Presidente" mostra, sim, a enorme popularidade do presidente nas regiões mais pobres -Ahmadinejad causa histeria ao passar por vilarejos miseráveis. Mas apresenta também os problemas que corroem hoje o país: inflação, desemprego e censura.
E o próprio Lom foi alvo de censura? "Sim. Não tinha um "supervisor" que me seguia o dia todo, como quando trabalhei na China. O controle no Irã era mais difuso, caótico e, talvez, mais secreto. Autoridades me disseram que eu estava sendo observado", relata o diretor, acrescentando que, algumas vezes, policiais o obrigaram a apagar suas gravações "por razões de segurança".

Burocracia e desconfiança
O documentarista afirma que passou cinco meses no país e conseguiu filmar, no total, menos de quatro semanas. "O resto do tempo era esperar por permissões, em negociações intermináveis para entrar nos locais de filmagem. Há muita burocracia, além de camadas e mais camadas de suspeita em relação aos estrangeiros." No trato com o governo, Lom teve ajuda de um produtor local, amigo do conselheiro de imprensa de Ahmadinejad. "Tinha um aliado político. Não há como trabalhar de outro jeito no Irã. É preciso contatos."
Tais contatos lhe permitiram filmar, além de viagens e comícios presidenciais, o centro de processamento de cartas e o call center do governo, uma eleição legislativa, a cidade natal de Ahmadinejad e a mesquita onde, diz o islã, um dia o Messias reaparecerá.
Nessas andanças, Lom entrevistou dezenas de iranianos e estruturou grande parte do documentário em cima das opiniões dos cidadãos comuns. O diretor quase não intervém nas imagens -não há narrações em off condenatórias nem trilha sonora dramática, só algumas legendas informativas. Mas isso não faz de "Cartas ao Presidente" um filme acrítico. Ao contrário, a montagem é a arma de Petr Lom para opinar, em uma sequência de depoimentos em que o Irã das ruas ataca o Irã dos gabinetes.


CARTAS AO PRESIDENTE
Direção: Petr Lom
Quando: hoje, às 20h30 (para convidados); amanhã, às 19h; e sáb., às 17h, no Cinesesc; 1/4, às 15h e às 19h, no CCBB

Avaliação: ótimo

Folha Online

Leia no blog a íntegra da entrevista com Petr Lom

www.folha.com.br/ilustradanocinema

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