São Paulo, quarta, 25 de março de 1998

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Oscar seria bom, mas não bastaria

INÁCIO ARAUJO
Crítico de Cinema

Enxugadas as lágrimas da derrota, podemos nos consolar pensando na vergonha que neste momento cobre a Holanda, por conta do discurso do diretor que levou para casa o "nosso" Oscar.
Podemos, com um frio na espinha, fantasiar que podia dar a louca em Bruno Barreto e ele ter uma performance semelhante.
Podemos, ainda, constatar que há dois anos fomos vencidos por "A Excêntrica Família de Antônia" e nem por isso houve um boom mundial do cinema holandês.
E podemos reconhecer que toda nossa torcida em torno do Oscar é um pouco constrangedora.
Em resumidas contas, perder o Oscar, tanto quanto ganhar o Urso de Ouro em Berlim são fatos que acabam um pouco inflados pelas circunstâncias.
O sentido objetivo de tais participações é atestar, de alguma forma, a lenta reinserção do cinema brasileiro no circuito internacional. Acontecimento significativo, sem dúvida, já que o Brasil perdera o espaço conquistado nos 60.
Mas essa presença torna-se dramaticamente importante no âmbito interno para uma cinematografia que ainda busca se afirmar diante de seu próprio público.
O prêmio em Berlim ou a presença no Oscar funcionam, assim, como uma "prova" de que filmes brasileiros hoje podem ser vistos sem medo pelos espectadores.
Por extensão, funcionam como marketing do cinema brasileiro em geral, uma espécie de aval concedido pelo mundo.
O destaque em âmbito internacional pode até determinar um crescimento do interesse do público brasileiro por seus filmes. Isso aconteceu nos anos 50, com "O Cangaceiro", e nos 60, com a Palma de Ouro de "O Pagador de Promessas" em Cannes.
À margem dos resultados, outras coisas podem ser observadas. A principal é que a bilheteria dos filmes feitos aqui tende a crescer junto com a auto-estima nacional.
Isso aconteceu em 1986 (durante o Plano Cruzado). Desde o Plano Real, tem havido uma tendência de crescimento do público, que se manifestou com mais clareza em "fenômenos" tipo "Carlota Joaquina" ou "O Quatrilho".
A impressão é que a resistência do espectador quanto às imagens produzidas no Brasil cai na proporção em que cresce a confiança no destino do país.
A presença internacional do filme brasileiro tem hoje um sentido adicional. No passado, o cinema podia ser produzido para uso exclusivo em território nacional. Hoje, não existem espectadores em número suficiente para custear a produção. Prêmios, indicações, boas críticas no exterior representam a possibilidade de vendas para inúmeros países.
Resta que o fundamental, nessa matéria, joga-se aqui mesmo. Aceitar filmes premiados (ou quase) é um ato reflexo. Menos uma admissão de nosso complexo de inferioridade nessa matéria do que da incapacidade de olhar com nossos próprios olhos nossas paisagens, atores e histórias, de buscar seu sentido, antes de reconhecer sua "competência".
Ganhar o Oscar teria sido bom nesse momento incipiente. Mas para criar uma cinematografia estável é preciso que as imagens que se criam aqui sejam reconhecidas como necessárias aqui. Sem isso, nada feito. E isso não depende só dos prêmios ou dos filmes.



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