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MÚSICA ERUDITA
O Messias chegou, aleluia
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
O Messias chegou e passa
bem. O que o Coro e a Orquestra do Festival de Ludwigsburg tocaram anteontem (e repetem hoje à noite), no teatro Cultura Artística em São Paulo, foi um
Handel diferente -uma retroversão do compositor inglês para
a música alemã.
Não se trata só do texto traduzido, nem da orquestração sinfônica de Mozart, mas da interpretação em si, que faz do "Messias"
um oratório germânico, com as
devidas perdas e os devidos ganhos.
"Handel [1685-1759" não pudera achar na Alemanha o sentido
da sua personalidade. Era diferentíssimo de Bach. Vibrante, brilhante, mais teatral que dramático, sensualíssimo, grandioso, chegando aos luxos da grandiosidade..." Essas palavras de Mário de
Andrade (na "Pequena História
da Música") servem de contraste
para entender o Handel regido
por Wolgang Gönnewein.
Estreado em 1742, na Irlanda, o
"Messias" é seu único verdadeiro
oratório, mas combina elementos
da ópera italiana, do hinário inglês e das paixões alemãs num registro mais francamente de entretenimento do que de compunção
e contrição.
Nem tudo isso veio à luz na versão de Ludwigsburg, que é vibrante e cheia de energia, mas
uma energia de leite da campanha, mais que de licores da corte e
rapé da cidade. É verdade que há
mais em jogo, quando se pensa na
orquestração de Mozart (feita a
pedido de seu famoso patrono, o
barão van Swieten, em 1789).
Até pouco tempo, ninguém teria coragem de executar essa versão, sob risco de ser literalmente
executado no tribunal da autenticidade. Mas agora chegou-se a
um nível tal de sofisticação que a
versão particular de uma peça como esta passa a ter legitimidade
em si. O original é para todos; o
arranjo é só para quem sabe
-mas, hoje em dia, quase todo
mundo sabe.
Muda muito? Muda. Clarinetes
no "Aleluia", por exemplo. Ou fagotes e trombones retumbantes
nas fugas. Não chega a soar como
Mozart (a verdadeira transmigração das almas se dá na "Missa em
Dó Menor" de Mozart, que recria
Handel num outro mundo). Mas
também não é o Handel barroco
do barroco. É o barroco em trajes
da geração seguinte -que se escuta, agora, com o fascínio que
têm os pastiches e apropriações
para nossa própria geração.
Só com isso em mente se pode
entender, e só entendendo se pode aceitar, em seus próprios termos, a interpretação de Gönnewein. A orquestra toca com segurança total e uma precisão incrível, toca para fora, num registro
direto. O excelente coro excede na
polifonia.
Coro e orquestra soam melhor
quanto mais alto e mais rápido
-vale dizer que não é um "Messias" de nuances. Sedas musicais
não têm muito lugar neste Handel
que volta ao lar paterno, depois de
um longo e delicioso inverno.
Nem sedas, nem fogos de artifício.
Talvez mais que qualquer outra
diferença, escutar o texto em alemão causa espanto. "Uns ist zum
Heil ein Kind geboren..." é outra
música, muito distante de "For
unto us a child is given..." (Que o
"Lord of Lords" não é o "Herr der
Herrn" já é assunto para teólogos.)
Solistas
Solistas: a soprano Christiane
Libor ganhou a noite. Sua voz é
linda, tem timbre próprio e um
sentido de linha que faz a gente
gostar ainda mais de música. Seu
"legato" é um "descanso para as
almas", não só na ária "Como um
Pastor", mas sempre. E quem se
entrega assim para a música está
nas graças de Handel e Mozart, e
que outro nome tenha Deus.
Christian Elsner (tenor) impressiona mais pelo volume do
que propriamente pela interpretação. Os outros dois cantores,
anteontem, não estavam à altura
do currículo que têm (Carmen
Mammoser aprisionada num registro baixo demais, Siegfried Lorenz sem registro definido).
Tudo somado, o "Messias" de
Ludwigsburg desce sobre a pobre
cidade de São Paulo como uma
bênção. Não chega a ser dos céus,
mas é bem-vindo e serve de arauto para mais uma temporada de
concertos, que afinal começou,
aleluia.
Orquestra e Coro do Festival de
Ludwigsburg
Regente: Wolgang Gönnewein
Quando: hoje, às 21h
Onde: teatro Cultura Artística (r. Nestor
Pestana, 196, SP, tel. 0/xx/11/258-3616)
Quanto: de R$ 80 a R$ 170
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