São Paulo, quarta-feira, 25 de abril de 2001

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MÚSICA ERUDITA

O Messias chegou, aleluia

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

O Messias chegou e passa bem. O que o Coro e a Orquestra do Festival de Ludwigsburg tocaram anteontem (e repetem hoje à noite), no teatro Cultura Artística em São Paulo, foi um Handel diferente -uma retroversão do compositor inglês para a música alemã.
Não se trata só do texto traduzido, nem da orquestração sinfônica de Mozart, mas da interpretação em si, que faz do "Messias" um oratório germânico, com as devidas perdas e os devidos ganhos.
"Handel [1685-1759" não pudera achar na Alemanha o sentido da sua personalidade. Era diferentíssimo de Bach. Vibrante, brilhante, mais teatral que dramático, sensualíssimo, grandioso, chegando aos luxos da grandiosidade..." Essas palavras de Mário de Andrade (na "Pequena História da Música") servem de contraste para entender o Handel regido por Wolgang Gönnewein.
Estreado em 1742, na Irlanda, o "Messias" é seu único verdadeiro oratório, mas combina elementos da ópera italiana, do hinário inglês e das paixões alemãs num registro mais francamente de entretenimento do que de compunção e contrição.
Nem tudo isso veio à luz na versão de Ludwigsburg, que é vibrante e cheia de energia, mas uma energia de leite da campanha, mais que de licores da corte e rapé da cidade. É verdade que há mais em jogo, quando se pensa na orquestração de Mozart (feita a pedido de seu famoso patrono, o barão van Swieten, em 1789).
Até pouco tempo, ninguém teria coragem de executar essa versão, sob risco de ser literalmente executado no tribunal da autenticidade. Mas agora chegou-se a um nível tal de sofisticação que a versão particular de uma peça como esta passa a ter legitimidade em si. O original é para todos; o arranjo é só para quem sabe -mas, hoje em dia, quase todo mundo sabe.
Muda muito? Muda. Clarinetes no "Aleluia", por exemplo. Ou fagotes e trombones retumbantes nas fugas. Não chega a soar como Mozart (a verdadeira transmigração das almas se dá na "Missa em Dó Menor" de Mozart, que recria Handel num outro mundo). Mas também não é o Handel barroco do barroco. É o barroco em trajes da geração seguinte -que se escuta, agora, com o fascínio que têm os pastiches e apropriações para nossa própria geração.
Só com isso em mente se pode entender, e só entendendo se pode aceitar, em seus próprios termos, a interpretação de Gönnewein. A orquestra toca com segurança total e uma precisão incrível, toca para fora, num registro direto. O excelente coro excede na polifonia.
Coro e orquestra soam melhor quanto mais alto e mais rápido -vale dizer que não é um "Messias" de nuances. Sedas musicais não têm muito lugar neste Handel que volta ao lar paterno, depois de um longo e delicioso inverno. Nem sedas, nem fogos de artifício.
Talvez mais que qualquer outra diferença, escutar o texto em alemão causa espanto. "Uns ist zum Heil ein Kind geboren..." é outra música, muito distante de "For unto us a child is given..." (Que o "Lord of Lords" não é o "Herr der Herrn" já é assunto para teólogos.)

Solistas
Solistas: a soprano Christiane Libor ganhou a noite. Sua voz é linda, tem timbre próprio e um sentido de linha que faz a gente gostar ainda mais de música. Seu "legato" é um "descanso para as almas", não só na ária "Como um Pastor", mas sempre. E quem se entrega assim para a música está nas graças de Handel e Mozart, e que outro nome tenha Deus.
Christian Elsner (tenor) impressiona mais pelo volume do que propriamente pela interpretação. Os outros dois cantores, anteontem, não estavam à altura do currículo que têm (Carmen Mammoser aprisionada num registro baixo demais, Siegfried Lorenz sem registro definido).
Tudo somado, o "Messias" de Ludwigsburg desce sobre a pobre cidade de São Paulo como uma bênção. Não chega a ser dos céus, mas é bem-vindo e serve de arauto para mais uma temporada de concertos, que afinal começou, aleluia.



Orquestra e Coro do Festival de Ludwigsburg
   
Regente: Wolgang Gönnewein
Quando: hoje, às 21h
Onde: teatro Cultura Artística (r. Nestor Pestana, 196, SP, tel. 0/xx/11/258-3616)
Quanto: de R$ 80 a R$ 170




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