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FOTOGRAFIA
Odires Mlászho abre mostra na qual manipula imagens de brechó
Artista conduz beleza em estado terminal à cirurgia
EDER CHIODETTO
EDITOR-ADJUNTO DE FOTOGRAFIA
Um objeto cortante na mão de
um homem obstinado pode causar ferimentos e dor. Quando a
obstinação é a de um artista, e o
ferimento, uma cicatriz numa fotografia, a dor pode ser mais intensa. É isso que "A Antecâmara
da Máscara", do não-fotógrafo
Odires Mlászho, sugere a partir de
hoje para o público no Espaço
Paul Mitchell, em São Paulo, em
mais uma exposição que integra o
5º Mês Internacional da Fotografia, organizado pelo Nafoto (Núcleo dos Amigos da Fotografia).
Mlászho não é fotógrafo. As
imagens com as quais trabalha
são adquiridas em brechós de fotografia que ele descobre pela cidade de São Paulo, onde mora.
Aficionado por retratos, possui
um acervo inimaginável de álbuns de formatura e de velhas revistas com fotos de atrizes, políticos e gente desconhecida.
Quanto à discussão ética de se
apropriar de fotografias alheias
para realizar suas obras, o que já
lhe rendeu um processo na Justiça, o artista é taxativo: "Esse é um
risco que eu calculadamente incorporo ao meu trabalho".
Esses retratos esquecidos no
tempo são o ponto de partida para o trabalho que Mlászho desenvolve sobre uma mesa branca de
um minúsculo apartamento no
centro da cidade. A mesa, sobre a
qual repousam tesouras, estiletes
e objetos perfurantes, é a metáfora da mesa cirúrgica. As tais imagens perdidas no tempo são os
pacientes terminais de Mlászho.
Com destreza de cirurgião, ele
opera cortes, lixa parte das imagens como quem retira a pele da
fotografia, clareia os olhos até que
eles sumam, ressalta algumas partes do rosto, oculta outras.
Em "A Antecâmara da Máscara", o artista reuniu uma série de
retratos de mulheres de uma antiga revista estrangeira da década
de 70. Originalmente as imagens
mostravam belas mulheres, muito bem fotografadas, num ensaio
sobre a beleza feminina.
"É um tratado sobre a beleza e a
felicidade", diz o artista. Mas, definitivamente, Mlászho não está
aqui para discutir ou criar amenidades. Seu discurso é beligerante,
e o resultado de seu trabalho, um
torpedo contra o senso comum e
a bestialidade que rondam o
mundo fashion dos rostinhos bonitos, das revistas de moda, das
agências de modelos, dos estúdios
fotográficos, da beleza institucionalizada e da "globeleza", que
inundam a mídia e ditam fórmulas esquemáticas e pasteurizadas
sobre o belo. A beleza que ele discute não se leva à mesa. A não ser
que seja para cortar, machucar,
cegar e, enfim, matar.
Essas mulheres, exemplos dessa
beleza conspurcada, foram aprisionadas na antecâmara do artista. Se é pelos olhos que podemos
enxergar a alma das pessoas, é
sintomático o fato de Mlászho ter
apagado os olhos de suas modelos
por um processo químico. "Elas
são cegas", diz ele. Desalmadas
seria o termo mais correto.
Um prosaico guardanapo de
papel e um pouco de água foram
os recursos usados para finalizar a
intervenção sobre os retratos. O
resultado é intrigante.
Destituídas da pele, dos olhos e
da carne, essas mulheres se transformam em espectros tristes e
agonizantes. Belas? Sim, mas de
uma beleza fria e desencarnada.
Envoltas numa espécie de máscara mortuária, parecem clamar por
algo, por alguém. Tarde demais.
Morreram todas por asfixia. Mas
ainda tentam, num último esforço, esboçar um sorriso, um "x"
diante do fotógrafo. Pobres criaturas. Estão mortas e nem isso
conseguem perceber.
O cirurgião-artista opera seus
pacientes não para salvar-lhes a
vida, mas para escancarar suas
doenças, suas crises de identidade, seus vícios de sociabilidade.
Prova de que a crise é geral: Mlászho não existe. É um nome inventado por Odires para encarnar sua
porção artista. Perturbador esse
não-Mlászho, não-fotógrafo.
A ANTECÂMARA DA MÁSCARA - ODIRES
MLÁSZHO. Onde: Espaço Paul Mitchell (r.
da Mata, 70, São Paulo, tel.: 0/11/xx/
3079-0300). Quando: de seg. a sex., das
12h às 15h30 e das 19h à 1h30h. Sáb. e
dom., até 16h. Até 20 de maio. Preço das
obras: R$ 5.000, cada. Quanto: grátis.
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