São Paulo, domingo, 25 de abril de 2004

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CRÍTICA

Falta texto nos novos humorísticos

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Ao que parece, humor é uma das apostas da temporada 2004 da TV. Só a Globo estreou dois novos programas ("A Diarista" e "Sob Nova Direção"), mais um quadro fixo no "Fantástico", "As 50 Leis do Amor". O SBT, depois de adiar várias vezes, finalmente pôs no ar seu humorístico "Meu Cunhado".
Começaram todos muito mal e, o que é incrível, por razões muito semelhantes. Aparentemente, estamos botando no mesmo saco referências muito diversas de humor -a TV popularesca, o besteirol do teatro de apelo popular, as experiências de ponta do núcleo Guel Arraes etc.-, o que invalidaria qualquer tentativa de comparação. Mas, curiosamente, todas essas novidades optaram pelo formato sitcom e, portanto, a comparação não apenas se torna possível como deixa patente um mesmo problema fundamental: não há texto.
Há piadas, boas (poucas) e más (muitas), há palhaçada, há caretas, mas a junção de tudo isso não é suficiente. Continua faltando o texto, as situações, o começo-meio-e-fim ou a subversão competente dessa seqüência. Para além daquilo que parece ser uma deficiência técnica crônica da TV, ou seja, a precariedade dos roteiros, o desacerto de experiências tão díspares sugere um buraco mais embaixo.
Antes mesmo do roteiro, o que parece não haver é um repertório comum de experiências, costumes e até mesmo de linguagem de onde as piadas e as situações cômicas possam derivar.
À falta de projetos e imagens nacionais, a cultura brasileira, no sentido mais amplo que se possa pensar, tornou-se tão segmentada que não há como estabelecer um imaginário coletivo a partir do qual extrair o inesperado.
Não é a toa que o "Casseta & Planeta" continua funcionando como contra-exemplo. Com agilidade de jornalistas, eles fazem rir daquilo que está no noticiário de duas horas antes ou dos últimos grandes temas -a novela, o futebol, a libertinagem- da vida do brasileiro.
Os novos programas até que tentam derivar o riso das questões contemporâneas, mas a inexistência de uma linguagem comum acaba por fazê-los resvalar na grosseria, no cinismo e na falta absoluta de graça. Em "A Diarista", a idéia é fazer rico rir de pobre, como já apontou o crítico da Folha Xico Sá (Ilustrada, 15 de abril de 2004); em "Meu Cunhado", fazer pobre rir daqueles que têm aspirações à riqueza. Em ambos, espera-se que o descompasso de pontos de vista e hábitos das classes sociais seja o suficiente para fazer rir, mas as diferenças são delineadas de forma tão pouco sutil que não funciona.
Em "Sob Nova Direção" e "As 50 Leis do Amor", o risível tenta surgir a partir da exposição caricata das neuroses femininas, seja nas relações entre mulheres (o primeiro), seja nas relações delas com os homens (o segundo). Mas, novamente, em ambos as piadas são gastas, as situações, desajeitadas, o humor, fraco.

@: biabramo.tv@uol.com.br


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