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LIVROS
Crítica/"As Fantasias de Pronek"
Bósnio transmite estranheza em obra de linguagem palpitante
Aleksandar Hemon, que vive nos EUA, trata da sensação de não pertencimento em romance
JOCA REINERS TERRON
ESPECIAL PARA A FOLHA
Dentre as muitas tradições literárias e os possíveis recortes canônicos, existe aquele exíguo clube
dos autores emigrados, que por
um motivo ou outro passaram a
escrever numa língua que não
era a sua. Os mais célebres são o
polonês Joseph Conrad e o russo Vladimir Nabokov, exilados
de séculos e guerras já extintas,
mas há ainda aqueles que escaparam de infernos contemporâneos, como o bósnio Aleksandar Hemon (1964), autor de "As
Fantasias de Pronek".
Bem recebido em sua estreia
com "E o Bruno?" (1999), Hemon adotou o inglês na marra,
após viajar aos EUA em 1992
para um seminário de jornalistas. Quando estava prestes a retornar, a guerra civil eclodiu na
Iugoslávia, forçando-o a trocar
Sarajevo por Chicago. Vítima
de congelamento numa zona de
espaço-tempo que não a sua, o
bósnio tem alimentado sua
prosa dessa condição de não
pertencimento, além de promover razoável "aquecimento"
da língua de adoção, cujo frescor de abordagem é sempre
comparado ao de Nabokov.
"As Fantasias de Pronek"
(2002), que sai agora por aqui, é
impulsionado pela linguagem
palpitante que não economiza
estranheza e pela qual cortinas
venezianas tagarelam, sossegam e calam, torneiras contam
pingos com rigor e máquinas e
objetos são atribuídos de vida.
Certo parentesco com o uruguaio Felisberto Hernández
(contemporâneo de Borges e
influenciador de Cortázar) parece inusitado, mas existe: como em Hernández, as histórias
de Hemon para seu alter ego
Josef Pronek são impregnadas
de esquisitices que podem ser
diagnosticadas como uma visão
de mundo poética, como assinala Jonathan Safran Foer na
capa do volume. Haverá, afinal,
mais em comum entre a província cisplatina e os Bálcãs do
que se pode suspeitar?
Conto
A origem de Pronek está num
conto de "E o Bruno?", "O Cego
Josef Pronek & as Almas do
Além". Assim como o autor, o
personagem é um nativo de Sarajevo cujas agruras são relembradas por outro bósnio, um
professor de línguas que o encontra numa escola de Chicago
onde busca emprego.
Pleno em deslocamentos
temporais e geográficos, ao longo do livro a infância de Pronek
é recordada pelo amigo, e o
reencontramos em várias etapas de sua vida atribulada, sempre sob a ótica de pessoas que
com ele conviveram: são pelos
olhos de Victor, por exemplo,
um americano de origem ucraniana, que vemos as desventuras de Pronek em Kiev, terra
natal de seu pai. Lá, ele se encontra com George Bush às
vésperas da extinção da URSS.
Prisioneiro do tempo e com
livre passaporte para deslocamentos por diversos países (até
na China vai parar), Josef Pronek, assim como um Forest
Gump hilário e alucinado, é prisioneiro da história, esse pesadelo absurdo do qual ninguém
consegue escapar.
JOCA REINERS TERRON é escritor, autor de
"Sonho Interrompido por Guilhotina" (Casa da
Palavra).
AS FANTASIAS DE PRONEK
Autor: Aleksandar Hemon
Tradução: Roberto Grey
Editora: Rocco
Quanto: R$ 32,50 (232 págs.)
Avaliação: bom
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