|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Réplica/teatro/"Liz"
Peça d'Os Satyros é mais do que metáfora sobre Cuba
ALBERTO GUZIK
ESPECIAL PARA A FOLHA
Luiz Fernando Ramos, professor, estuda o teatro há décadas, dá aulas, tem teses defendidas e trabalhos publicados.
Está plenamente capacitado a
exercer a crítica.
Não vou contestar nem polemizar com a análise que ele fez
de "Liz", publicada na Ilustrada do dia 15/05. Aliás, no comentário, ele trata o espetáculo de modo muito positivo, apesar de lhe atribuir a cotação
"regular". Julgo intrigante no
texto de Ramos o fato de ele ver
na peça do cubano Reinaldo
Montero, que trata da Inglaterra do século 16 e do reinado de
Elizabeth 1ª, apenas uma forma de o autor falar de Cuba e
do regime castrista.
Tal leitura existe, claro. Mas
considerá-la a única da peça é
uma redução simplificadora.
Em "Liz", Montero propõe
uma análise do poder. Não há
metáforas. Elizabeth não é
uma máscara de Fidel. Nenhum personagem é alter ego
de Che ou de Raul Castro.
O dramaturgo faz um discurso sobre a Inglaterra elizabetana. E defende uma tese: o grande artista da época não foi William Shakespeare, mas Christopher Marlowe. E Marlowe foi
assassinado aos 28 anos devido
a um complô imbecil para que
fosse salva a vida de Walter Raleigh, favorito da rainha.
A peça se estrutura ao redor
do caso Marlowe. Seu subtítulo
é "Missa com Ilustrações para
Christopher Marlowe".
O que fascina no texto de
Montero -sua universalidade,
a forma não territorial pela
qual discute o poder- parece
ao professor Ramos uma metáfora para que o autor fale de
Cuba. Sim, ele fala de Cuba. E
do Brasil, da Venezuela, da Inglaterra, dos EUA, de Israel, da
Síria, do Irã, da China... "Liz"
disseca o exercício do poder.
Outro aspecto da obra de
Montero é a relevante reflexão
sobre as relações entre o poder
real e os artistas. Ramos não
menciona essa questão em sua
crítica. E esse é o eixo da peça,
sua medula. A peça de Montero
não é panfletária. É um exercício poético, erudito, sofisticado, cômico e cruel.
"Fale disto e não daquilo"
O professor Ramos conclui
assim seu texto: "O espetáculo
sugere que já estaria na hora de
o teatro cubano deixar de falar
de sua realidade local por meio
de metáforas localizadas em
reinos distantes e assumir seus
demônios in loco, sem precisar
de bodes expiatórios como uma
rainha inglesa".
Essa observação expressa um
juízo que o crítico dirige ao dramaturgo: fale disto e não daquilo. Mas e se o artista quis falar
daquilo, e não disto?
Caso o professor Ramos fosse crítico à época, aconselharia
Brecht a escrever sobre os conflitos da Alemanha em lugar da
"Alma Boa de Setsuan"? Diria a
Beckett para falar das turbulências da Irlanda em vez de
criar certa peça que se passa
numa encruzilhada ao centro
da qual há uma árvore seca?
O tom normativo do conselho do crítico a Montero assusta. Conheço Luiz Fernando Ramos há muito tempo. Tenho
certeza de que ele seria incapaz
de desejar exercer censura estética sobre um projeto.
Mas aponta nessa direção o
sumo de seu comentário sobre
"Liz", por mais simpática e positiva que seja a forma como registra a peça d'Os Satyros.
ALBERTO GUZIK é ator, escritor, professor, crítico e integra a Cia. Os Satyros
LIZ
Quando: sex. a dom., às 21h30; até
31/5
Onde: Sesc Av. Paulista (av. Paulista,
119, tel. 0/xx/11/3179-3700)
Quanto: de R$ 5 a R$ 20
Classificação: 18 anos
Texto Anterior: Por que ver? Próximo Texto: Show cerca Rei de suas "caras-metades" Índice
|