São Paulo, segunda-feira, 25 de maio de 2009

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Réplica/teatro/"Liz"

Peça d'Os Satyros é mais do que metáfora sobre Cuba

ALBERTO GUZIK
ESPECIAL PARA A FOLHA

Luiz Fernando Ramos, professor, estuda o teatro há décadas, dá aulas, tem teses defendidas e trabalhos publicados. Está plenamente capacitado a exercer a crítica.
Não vou contestar nem polemizar com a análise que ele fez de "Liz", publicada na Ilustrada do dia 15/05. Aliás, no comentário, ele trata o espetáculo de modo muito positivo, apesar de lhe atribuir a cotação "regular". Julgo intrigante no texto de Ramos o fato de ele ver na peça do cubano Reinaldo Montero, que trata da Inglaterra do século 16 e do reinado de Elizabeth 1ª, apenas uma forma de o autor falar de Cuba e do regime castrista.
Tal leitura existe, claro. Mas considerá-la a única da peça é uma redução simplificadora. Em "Liz", Montero propõe uma análise do poder. Não há metáforas. Elizabeth não é uma máscara de Fidel. Nenhum personagem é alter ego de Che ou de Raul Castro.
O dramaturgo faz um discurso sobre a Inglaterra elizabetana. E defende uma tese: o grande artista da época não foi William Shakespeare, mas Christopher Marlowe. E Marlowe foi assassinado aos 28 anos devido a um complô imbecil para que fosse salva a vida de Walter Raleigh, favorito da rainha.
A peça se estrutura ao redor do caso Marlowe. Seu subtítulo é "Missa com Ilustrações para Christopher Marlowe".
O que fascina no texto de Montero -sua universalidade, a forma não territorial pela qual discute o poder- parece ao professor Ramos uma metáfora para que o autor fale de Cuba. Sim, ele fala de Cuba. E do Brasil, da Venezuela, da Inglaterra, dos EUA, de Israel, da Síria, do Irã, da China... "Liz" disseca o exercício do poder.
Outro aspecto da obra de Montero é a relevante reflexão sobre as relações entre o poder real e os artistas. Ramos não menciona essa questão em sua crítica. E esse é o eixo da peça, sua medula. A peça de Montero não é panfletária. É um exercício poético, erudito, sofisticado, cômico e cruel.

"Fale disto e não daquilo"
O professor Ramos conclui assim seu texto: "O espetáculo sugere que já estaria na hora de o teatro cubano deixar de falar de sua realidade local por meio de metáforas localizadas em reinos distantes e assumir seus demônios in loco, sem precisar de bodes expiatórios como uma rainha inglesa".
Essa observação expressa um juízo que o crítico dirige ao dramaturgo: fale disto e não daquilo. Mas e se o artista quis falar daquilo, e não disto?
Caso o professor Ramos fosse crítico à época, aconselharia Brecht a escrever sobre os conflitos da Alemanha em lugar da "Alma Boa de Setsuan"? Diria a Beckett para falar das turbulências da Irlanda em vez de criar certa peça que se passa numa encruzilhada ao centro da qual há uma árvore seca?
O tom normativo do conselho do crítico a Montero assusta. Conheço Luiz Fernando Ramos há muito tempo. Tenho certeza de que ele seria incapaz de desejar exercer censura estética sobre um projeto.
Mas aponta nessa direção o sumo de seu comentário sobre "Liz", por mais simpática e positiva que seja a forma como registra a peça d'Os Satyros.


ALBERTO GUZIK é ator, escritor, professor, crítico e integra a Cia. Os Satyros

LIZ
Quando: sex. a dom., às 21h30; até 31/5
Onde: Sesc Av. Paulista (av. Paulista, 119, tel. 0/xx/11/3179-3700)
Quanto: de R$ 5 a R$ 20
Classificação: 18 anos


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