São Paulo, quarta-feira, 25 de maio de 2011

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Rock com dendê

Projeto gravado no estúdio de Guilherme Arantes reúne parte da cena roqueira de Salvador, que, segundo o cantor, é ofuscada pelo axé

Edon Ruiz/Folhapress
Arantes (à frente, de preto) e membros das nove bandas

MARCUS PRETO
ENVIADO ESPECIAL A CAMAÇARI (BA)

No final dos anos 1970, já bebendo da fama de "hitmaker", Guilherme Arantes lançou dois álbuns de nenhuma repercussão.
"A Cara e a Coragem" (1978) e "Coração Paulista" (1980) eram discos de rock. E suas canções espelhavam um jovem artista em crise: com o próprio ofício, com a cena musical e com os rumos que tomava a sua geração.
O público do cantor, que consagrara baladas como "Meu Mundo e Nada Mais" (1976), "Amanhã" (1977) e "Êxtase" (1979), não se identificou com esses temas. E desprezou os dois discos.
Pois é justamente a reunião das 20 canções dos dois discos que, agora, compõem "A Cara e o Coração".
Produzido por Pedro Arantes e Gabriel Martini, o álbum traz recriações desses não sucessos do compositor paulista feitas por nove bandas da nova cena roqueira baiana.
O disco deve chegar às lojas em julho. As gravações aconteceram no estúdio Coaxo do Sapo, construído por Guilherme em Camaçari, na Bahia, onde vive há dez anos.
"A cena roqueira de Salvador é altamente criativa e precisa explodir para o público", diz o cantor. "Isso só não aconteceu ainda porque esses músicos foram eclipsados pela "indústria da alegria" que a Bahia se tornou." A intenção, segundo o compositor, é servir de veículo para que essas bandas possam tentar cruzar fronteiras regionais e, quem sabe, atingir o público do Sudeste.
"Fazer música autoral na Bahia é uma provação diária", diz Roy, da banda O Círculo. "Desde o empresário até a sua mãe, todo o mundo quer te levar ao mau caminho. 'Cante axé, meu filho, cante axé que é melhor'."
Não há exatamente uma unidade roqueira nas bandas que integram o disco. Algumas pendem para o soul, outras para o blues, outras para a psicodelia à brasileira, entre o tropicalismo de Caetano e Gilberto Gil e o pós-tropicalismo dos Novos Baianos.
"E nós aqui somos só uma parte do que acontece na cena baiana fora do Carnaval", diz o paulistano Enio, do projeto Enio e a Maloca, radicado em Salvador há 20 anos. Ele cita o Letieres Leite, da Orkestra Rumpilezz, o Baiana System e outros artistas, não necessariamente ligados ao rock, como parte fundamental da nova fase da música da cidade.
"Seria impossível alcançar toda a grande cena de musica independente de Salvador em único disco", diz Pedro Arantes, filho de Guilherme e idealizador do projeto.
"Esse trabalho tenta sintetizar o que está acontecendo agora na capital baiana e valorizar o que acaba ficando de fora dos grandes eventos até da própria da cidade."
É a eterna busca do jovem músico por seu lugar no espaço e no tempo. Talvez por isso o tema dos dois álbuns "malditos" de Guilherme Arantes soe tão atual.


O jornalista MARCUS PRETO viajou a convite do estúdio Coaxo do Sapo


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