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CRÍTICA
Diretor põe verdade e mentira na balança
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Visto do ponto de vista estrito do conteúdo, "Do Outro
Lado da Lei" é bastante simples (o
que não não significa tolo). Lá
existe Zapa, jovem simplório de
uma pequena cidade que, vítima
de uma armação, é preso.
Demonstrada sua inocência, ele
vai para Buenos Aires, onde, graças a uma carta de recomendação,
é aceito como aspirante a policial.
Ele tem 32 anos, idade acima do
permitido, por isso é preciso fazer
uma adulteração e atribuir-lhe 28.
Isso é o primeiro sinal: ao longo
do filme acompanharemos o deslizamento quase imperceptível de
um justo à corrupção (aceitemos
a palavra, mas é mais complexo).
Para Zapa a questão, no fim das
contas, é individual: deve aceitar a
ordem que sub-repticiamente se
instala na corporação policial ou
romper e ficar com a verdade?
É justamente pela palavra verdade que a questão do conteúdo
perde importância e vem ao caso,
para Pablo Trapero, colocar o
próprio cinema em questão.
Digamos de início que Trapero
trabalha nos limites de um estrito
naturalismo. Desde o trabalho de
ambientação até a belíssima direção de atores, tudo aqui aspira à
transparência. Uma transparência moderna, no entanto -que
desconfia de si mesma, assim como desconfia do cinema.
Pois, se o personagem oscila entre mentira e verdade, o que nos
garante que o cinema esteja dizendo, a respeito dele ou da corporação policial, a verdade?
Essa é a angústia que o cinema
de constituição naturalista deve
suportar: nada pode ser garantia
de sua verdade exceto o desencadeamento das imagens. Mas elas
não nos garantem, em nada, uma
verdade de conteúdo. Isto é, continuamos sem saber se é assim
que as coisas acontecem nas polícias do mundo. Só sabemos que
elas acontecem assim no filme. E a
eficácia de "Do Outro Lado" vem
de sua força ficcional -da forma
como se articula esse deslizamento da honestidade à corrupção-
bem mais do que da tentativa
eventual de nos convencer de que
"as coisas acontecem assim".
O espectador pode fazer uma
comparação talvez proveitosa entre este filme e "As Invasões Bárbaras", de Denys Arcand.
Ao contrário de Trapero, Arcand busca nos seduzir primeiro
pelo "grande tema" (a mentalidade dos anos 60), depois pela crença na capacidade do cinema de dizer a verdade sobre as coisas.
Não há em "As Invasões Bárbaras" essa distância angustiante
que existe entre a imagem e a nossa recepção em "Do Outro Lado":
como se algo se interpusesse entre
elas para tornar nossa vida mais
difícil. Mas é essa dificuldade que
faz deste um filme vertiginoso,
tanto quanto dois outros argentinos já exibidos aqui, "Pântano" e
"Valentin". É na Argentina que
está a vanguarda do continente.
Do Outro Lado da Lei
El Bonaerense
Direção: Pablo Trapero
Produção: Argentina/Chile/França/Holanda, 2002
Com: Jorge Román, Mimí Ardú
Quando: a partir de hoje no Cinearte,
Cineclube DirecTV e Lumière
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