São Paulo, sexta-feira, 25 de junho de 2004

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CINEMA/ESTRÉIAS

Produção enfoca funcionamento do Judiciário para traçar painel da realidade nacional "sem subir o morro"

Filme aprisiona o país chamado Brasil

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

O documentário "Justiça", que estréia hoje nos cinemas, é um instantâneo do Brasil feito por uma diretora nacional que despontou como um promissor nome do cinema holandês.
Maria Augusta Ramos, 39, estudou direção cinematográfica na Holanda e lá realizou "Desi" (2000), seu primeiro longa-metragem em 35 mm (formato adequado à exibição nos cinemas). O filme acompanha a trajetória da garotinha do título (pronuncia-se Dêisi) e foi premiado por júris populares e de especialistas.
O convívio com estrangeiros -antes da Holanda, a diretora viveu na França- ressaltou em Maria Augusta a vontade de fazer "um retrato do Brasil sem subir o morro e mostrar o policial e o bandido". A diretora queria traçar um panorama da realidade brasileira "mais complexo do que o que se vê na Europa, como sendo ricos e pobres". Mas não pretendia deixar de abordar "esse elemento de grande importância na vida do brasileiro urbano que é a questão da violência".
Maria Augusta encontrou seu foco depois de assistir a "várias e várias e várias audiências" no Fórum do Rio de Janeiro, quando percebeu que, naquelas histórias que envolviam réus, vítimas, advogados, juízes e, por extensão suas famílias, estava um "desfile de todas as relações sociais", enfim, um resumo da sociedade.
"Justiça" é o registro desse desfile, por meio de sete personagens principais, que se deixaram filmar em seu dia-a-dia, sem serem jamais entrevistados pela cineasta ou convidados a dar depoimentos para a câmera.
Há dois acusados, Carlos Eduardo (flagrado dirigindo um carro roubado) e Alan (suspeito de envolvimento com tráfico de drogas); dois juízes (Geraldo Prado e Fátima Clemente) e uma defensora pública (Maria Ignez Kato). A mãe (dona Elma) e a namorada grávida (Suzana) de Carlos Eduardo completam o "elenco".
A diretora explica que seu modo de filmar é coerente com a "obsessão" de tentar ver "o indivíduo em sua relação com o outro e o meio". O outro, nesse caso, não é o cineasta, mas sim aqueles que de fato pertencem à história dos personagens.
"Não tenho nada contra a entrevista ou o depoimento, mas isso não me interessa", diz Maria Augusta. "O que busco ver é como os indivíduos interagem, em suas relações humanas e sociais." A diretora acredita que "falando do indivíduo, fala-se do todo".
"Justiça" não é, portanto, um filme sobre uma instituição (o Judiciário brasileiro) ou um de seus aspectos (o sistema prisional), embora seja também um filme sobre isso.
Para deixar clara a opção em favor das histórias individuais, a diretora busca exibir de cada personagem uma situação que o "humanize". O juiz e a defensora são vistos em refeições em família. A juíza se inquieta com a possibilidade de um revés em sua posse como desembargadora.
Dona Elma freqüenta um culto religioso carismático, em que sua fé se expressa num transe místico. E Suzana dá à luz uma menininha de quem Maria Augusta capta o grande momento do filme. Nu e só, o bebê abre lentamente os olhos pela primeira vez. E o espectador confronta a visão desse despertar da vida com o retrato que o precedeu, de um Brasil onde não se vive, apenas se agüenta.
Contrastar próximo e distante, particular e geral é o que a diretora pretendeu: "Meus filmes são muito íntimos, mesmo que tenham a aparência de distância".


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