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CINEMA/ESTRÉIAS
Produção enfoca funcionamento do Judiciário para traçar painel da realidade nacional "sem subir o morro"
Filme aprisiona o país chamado Brasil
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
O documentário "Justiça", que
estréia hoje nos cinemas, é um
instantâneo do Brasil feito por
uma diretora nacional que despontou como um promissor nome do cinema holandês.
Maria Augusta Ramos, 39, estudou direção cinematográfica na
Holanda e lá realizou "Desi"
(2000), seu primeiro longa-metragem em 35 mm (formato adequado à exibição nos cinemas). O
filme acompanha a trajetória da
garotinha do título (pronuncia-se
Dêisi) e foi premiado por júris populares e de especialistas.
O convívio com estrangeiros
-antes da Holanda, a diretora viveu na França- ressaltou em
Maria Augusta a vontade de fazer
"um retrato do Brasil sem subir o
morro e mostrar o policial e o
bandido". A diretora queria traçar um panorama da realidade
brasileira "mais complexo do que
o que se vê na Europa, como sendo ricos e pobres". Mas não pretendia deixar de abordar "esse
elemento de grande importância
na vida do brasileiro urbano que é
a questão da violência".
Maria Augusta encontrou seu
foco depois de assistir a "várias e
várias e várias audiências" no Fórum do Rio de Janeiro, quando
percebeu que, naquelas histórias
que envolviam réus, vítimas, advogados, juízes e, por extensão
suas famílias, estava um "desfile
de todas as relações sociais", enfim, um resumo da sociedade.
"Justiça" é o registro desse desfile, por meio de sete personagens
principais, que se deixaram filmar
em seu dia-a-dia, sem serem jamais entrevistados pela cineasta
ou convidados a dar depoimentos
para a câmera.
Há dois acusados, Carlos
Eduardo (flagrado dirigindo um
carro roubado) e Alan (suspeito
de envolvimento com tráfico de
drogas); dois juízes (Geraldo Prado e Fátima Clemente) e uma defensora pública (Maria Ignez Kato). A mãe (dona Elma) e a namorada grávida (Suzana) de Carlos
Eduardo completam o "elenco".
A diretora explica que seu modo
de filmar é coerente com a "obsessão" de tentar ver "o indivíduo
em sua relação com o outro e o
meio". O outro, nesse caso, não é
o cineasta, mas sim aqueles que
de fato pertencem à história dos
personagens.
"Não tenho nada contra a entrevista ou o depoimento, mas isso
não me interessa", diz Maria Augusta. "O que busco ver é como os
indivíduos interagem, em suas relações humanas e sociais." A diretora acredita que "falando do indivíduo, fala-se do todo".
"Justiça" não é, portanto, um filme sobre uma instituição (o Judiciário brasileiro) ou um de seus
aspectos (o sistema prisional),
embora seja também um filme sobre isso.
Para deixar clara a opção em favor das histórias individuais, a diretora busca exibir de cada personagem uma situação que o "humanize". O juiz e a defensora são
vistos em refeições em família. A
juíza se inquieta com a possibilidade de um revés em sua posse
como desembargadora.
Dona Elma freqüenta um culto
religioso carismático, em que sua
fé se expressa num transe místico.
E Suzana dá à luz uma menininha
de quem Maria Augusta capta o
grande momento do filme. Nu e
só, o bebê abre lentamente os
olhos pela primeira vez. E o espectador confronta a visão desse despertar da vida com o retrato que o
precedeu, de um Brasil onde não
se vive, apenas se agüenta.
Contrastar próximo e distante,
particular e geral é o que a diretora pretendeu: "Meus filmes são
muito íntimos, mesmo que tenham a aparência de distância".
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