São Paulo, sexta-feira, 25 de junho de 2004

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"PELÉ ETERNO"

Biografia é registro de arrepiar, no bom e também no mau sentido

FÁBIO VICTOR
DO PAINEL FC

Os primeiros minutos de "Pelé Eterno" são de arrepiar, no mau sentido. As vinhetas de abertura, um cafonérrimo balé de bolas douradas, antecipam a estética que domina o documentário de Aníbal Massaini Neto.
As cenas iniciais, sobre a infância de Pelé, trazem um depoimento coletivo de integrantes de sua família, cujo texto parece decorado, dada a ausência de espontaneidade. Dona Celeste, mãe do ex-craque, conta que havia algo estranho naquela gravidez. "Eu sentia umas cabeçadas, uns chutes." Risos forçados.
Até que surgem os gols e jogadas do garoto que estreou no Santos aos 15 anos, e a coisa muda de figura. Trata-se da maior reunião de lances do maior futebolista da história. São mais de 300 gols, de todas as fases da carreira do Rei, néctar para todas as torcidas.
Está ali todo o imenso repertório de Pelé. Arrancadas, seqüências controlando a bola na cabeça ou no peito, bolas por entre as pernas, chutes encobrindo o goleiro, bicicletas, chutes-petardos... É de arrepiar, no bom sentido.
A reconstituição dos dois gols lendários dos quais não há registros -contra o Juventus, em 59, por computador, e o "gol de placa" contra o Fluminense, em 61, a partir da colagem de outros lances- vale mais pela curiosidade.
O filme segue, e volta aquele outro arrepio. O texto de Armando Nogueira, que contribui bastante para o alto teor de pieguice, passeia entre clichês ("Pelé e a bola nasceram um para o outro") e trechos constrangedores (como, ao exaltar suas conquistas sexuais, diz que Pelé sempre foi bom "de penetração e finalização"). Ah, e tudo é entrecortado por depoimentos de Pelé, que surge a todo instante de terno e gravata.
Se é louvável pela extensiva pesquisa, que revolveu 70 arquivos de 15 países, o documentário se debate numa crise de identidade formal ao resultar numa apologia, numa peça de propaganda a serviço da imortalidade do Rei. A edição tem peso fundamental nessa parcialidade: seja nos depoimentos ou nos lances de gol, os outros jogadores estão ali mais para realçar a grandeza de Pelé do que para interagir com ele. Dessa forma, quem vê o filme é instado a crer que golaços de Tostão, Jairzinho ou Vavá só aconteceram por causa d'Ele. Garrincha pouco aparece, Gérson tem seu gol na final de 70 apagado da fita.
No pesar da balança, fica o gênio do craque maior. Ao final da projeção, ainda tontos pela performance sobrenatural do protagonista, concluímos: Pelé é eterno, o filme de Massaini, não.


Pelé Eterno
   
Direção: Aníbal Massaini Neto
Produção: Brasil, 2004
Quando: a partir de hoje nos cines Butantã, SP Market e circuito



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