São Paulo, quinta-feira, 25 de junho de 2009

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Crítica/teatro/"Quem Não Sabe Mais"

Grupo usa poesia como base para peça política corrosiva

Cia São Jorge de Variedades representa fragmentos da obra de Heiner Müller

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

Quanto mais o teatro político for esteticamente radical, mais político ele será. Esta pode ser uma leitura do espetáculo "Quem Não Sabe Mais -Quem É, o Que É e Onde Está- Precisa Se Mexer". Criação da Cia. São Jorge de Variedades a partir da obra dramática do alemão Heiner Müller (1929-1995), o espetáculo tem marcas inconfundíveis: a direção de Georgette Fadel e as atuações de Mariana Senne, Patrícia Gifford e Marcelo Reis.
Ao abrir mão de montar um texto integral de Müller e utilizar apenas fragmentos esparsos, o coletivo que engendrou o espetáculo foi fiel à faceta mais anarquista deste poeta dramático, que deixou lições preciosas para pensar-se um teatro político contemporaneamente. É a perspectiva crítica, escavada nos escombros da tradição marxista, que não abre mão da metáfora lancinante e do poder corrosivo da linguagem poética.
Georgette Fadel projeta um enorme buraco negro cênico, vácuo que vai lenta e minuciosamente sugando toda a representação e esvaziando o espetáculo de qualquer potência ou densidade, até seu derradeiro esgotamento. É um movimento sutil que se afirma aos poucos e afasta espectadores convencionais, mas não deixa de ser brilhante e renovador.

Sensação de risco
Na primeira parte, quando os espectadores são levados por um passeio pela Barra Funda e são propostas intervenções relâmpago, com faixas estendidas entre postes, fixação de cartazes nos muros, e estimulo à sensação de risco, já se antevê a estratégia de desmonte.
Diante do teatro São Pedro, declara-se o que será repetido várias vezes depois. Eles, atrizes e ator, já não são Hamlet e já não representam nenhum papel. Há uma ambiguidade na situação, pois eles vestem figurinos e jogam com os espectadores um faz de conta de que se vive uma ação revolucionária. Assim, quando se retorna ao espaço da companhia, qualquer encanto que aquelas ações pudessem ter sugerido já se tornou contrafação.
O que prossegue na segunda parte não é um drama, ou uma história que se queira narrar. É a continuação dessa espécie de faxina geral que o espetáculo propõe nos procedimentos supostamente engajados e nas aspirações pretensamente elevadas que ainda se possam cultuar.
A despeito dos aspectos cômicos que se configuram, é um doloroso extirpar de ilusões e realizado na própria carne do grupo, ou daquelas individualidades que ali se despem de qualquer autoengano. É um movimento coerente com a perspectiva de Müller, ele também um crítico ácido de qualquer sublimação otimista. A desmontagem de expectativas estéticas que esse pseudoespetáculo opera tem a potência de revitalizar a cena paulistana, exatamente pelas constrições que se autoimpôs e por não ter evitado, mesmo em seus entusiasmos, malograr.
Importante ressaltar que, além do claro gesto, ao mesmo tempo inventivo e provocador, de Fadel, o êxito desta antiobra não teria se efetivado sem o talento desses atuantes que já não querem representar, mas, mesmo assim, se lançam enérgicos, e por inteiro, no vazio.


QUEM NÃO SABE MAIS

Quando: qui. e sex., às 12h, e sáb., às 15h; até domingo
Onde: Casa de São Jorge (r. Lopes de Oliveira, 342, Barra Funda, tel. 0/xx/11/3824-9339)
Quanto: de R$ 5 a R$ 20
Classificação: 16 anos
Avaliação: ótimo




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