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Crítica/teatro/"Quem Não Sabe Mais"
Grupo usa poesia como base para peça política corrosiva
Cia São Jorge de Variedades representa fragmentos da obra de Heiner Müller
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
Quanto mais o teatro político for esteticamente radical, mais político ele será. Esta pode ser
uma leitura do espetáculo
"Quem Não Sabe Mais -Quem
É, o Que É e Onde Está- Precisa Se Mexer".
Criação da Cia. São Jorge de
Variedades a partir da obra dramática do alemão Heiner Müller (1929-1995), o espetáculo
tem marcas inconfundíveis: a
direção de Georgette Fadel e as
atuações de Mariana Senne,
Patrícia Gifford e Marcelo Reis.
Ao abrir mão de montar um
texto integral de Müller e utilizar apenas fragmentos esparsos, o coletivo que engendrou o
espetáculo foi fiel à faceta mais
anarquista deste poeta dramático, que deixou lições preciosas para pensar-se um teatro
político contemporaneamente.
É a perspectiva crítica, escavada nos escombros da tradição marxista, que não abre mão
da metáfora lancinante e do poder corrosivo da linguagem
poética.
Georgette Fadel projeta um
enorme buraco negro cênico,
vácuo que vai lenta e minuciosamente sugando toda a representação e esvaziando o espetáculo de qualquer potência ou
densidade, até seu derradeiro
esgotamento. É um movimento
sutil que se afirma aos poucos e
afasta espectadores convencionais, mas não deixa de ser brilhante e renovador.
Sensação de risco
Na primeira parte, quando os
espectadores são levados por
um passeio pela Barra Funda e
são propostas intervenções relâmpago, com faixas estendidas
entre postes, fixação de cartazes nos muros, e estimulo à
sensação de risco, já se antevê a
estratégia de desmonte.
Diante do teatro São Pedro,
declara-se o que será repetido
várias vezes depois. Eles, atrizes e ator, já não são Hamlet e já
não representam nenhum papel. Há uma ambiguidade na situação, pois eles vestem figurinos e jogam com os espectadores um faz de conta de que se vive uma ação revolucionária.
Assim, quando se retorna ao
espaço da companhia, qualquer
encanto que aquelas ações pudessem ter sugerido já se tornou contrafação.
O que prossegue na segunda
parte não é um drama, ou uma
história que se queira narrar. É
a continuação dessa espécie de
faxina geral que o espetáculo
propõe nos procedimentos supostamente engajados e nas aspirações pretensamente elevadas que ainda se possam
cultuar.
A despeito dos aspectos cômicos que se configuram, é um
doloroso extirpar de ilusões e
realizado na própria carne do
grupo, ou daquelas individualidades que ali se despem de
qualquer autoengano. É um
movimento coerente com a
perspectiva de Müller, ele também um crítico ácido de qualquer sublimação otimista.
A desmontagem de expectativas estéticas que esse pseudoespetáculo opera tem a potência de revitalizar a cena paulistana, exatamente pelas constrições que se autoimpôs e por
não ter evitado, mesmo em
seus entusiasmos, malograr.
Importante ressaltar que, além
do claro gesto, ao mesmo tempo inventivo e provocador, de
Fadel, o êxito desta antiobra
não teria se efetivado sem o talento desses atuantes que já
não querem representar, mas,
mesmo assim, se lançam enérgicos, e por inteiro, no vazio.
QUEM NÃO SABE MAIS
Quando: qui. e sex., às 12h, e sáb.,
às 15h; até domingo
Onde: Casa de São Jorge (r. Lopes
de Oliveira, 342, Barra Funda, tel. 0/xx/11/3824-9339)
Quanto: de R$ 5 a R$ 20
Classificação: 16 anos
Avaliação: ótimo
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