São Paulo, quinta-feira, 25 de junho de 2009

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Crítica/"A Erva do Rato"

Filme incorpora ironia de Machado

Inspirado por dois contos do escritor, longa do diretor Júlio Bressane explora fetiches, medos e patologias de um casal

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Dois contos de Machado de Assis (1839-1908) estão na origem do argumento de "A Erva do Rato". Em "Um Esqueleto" (1875), uma roda de amigos ouve a história de um homem que continuava a conviver com a mulher morta. Em "A Causa Secreta" (1885), um triângulo amoroso se forma em paralelo à revelação das perversidades de um de seus integrantes.
Das tramas, o diretor e roteirista Júlio Bressane extrai apenas duas imagens-chave. A primeira, da mulher que sobrevive, para o marido arrependido por matá-la, como esqueleto. A segunda, do homem cuja patologia é sugerida, à esposa e a um amigo, pelo requinte sádico com que mata um rato.
Não é, portanto, um exercício de diálogo entre cinema e literatura que corresponda à categoria de adaptação de "Brás Cubas" (1985), também realizado por Bressane a partir da obra de Machado, mas orientado por uma leitura contemporânea das "Memórias Póstumas" (1881) em forma de audiovisual.
É difícil passar impune pela obra de um escritor de estilo e ambientação muito fortes, contudo, mesmo que sejam retirados de seu texto só dois instantâneos. Assim, junto dos momentos breves desses contos, Bressane traz deles também, entre outros aspectos, a ironia e a sensação de que as coisas parecem estar fora de lugar. "A Erva do Rato" começa, sintomaticamente, em um pequeno cemitério. Ali, um homem (Selton Mello) e uma mulher (Alessandra Negrini) contemplam lápides, à distância, sem que a presença de um seja registrada pelo outro. Um lance fortuito, no entanto, os aproxima -e não mais os separará, haja o que houver.
A casa onde passam a viver juntos torna-se o cenário -algo claustrofóbico, de intimidade forçada antes mesmo de desejada- para que ambos se entreguem a uma radical tentativa de aproximação e de conhecimento mútuo, pautada pela manifestação de fetiches, medos e patologias.
Jogo entre atores
Embora as coordenadas da representação -de notável riqueza plástica, com fotografia de Walter Carvalho, diretor de "Budapeste"- sejam estabelecidas por Bressane, o jogo pertence em boa medida aos dois atores, inseridos em situação taciturna, que, o público, acostumado a vê-los em outras circunstâncias, mais leves e até zombeteiras, talvez estranhe.
A circunstancial superexposição de Selton Mello -já em cartaz com "A Mulher Invisível" e, a partir desta sexta, também com um terceiro longa no qual faz o protagonista, "Jean Charles"- talvez prejudique "A Erva do Rato" quando deveria contribuir para despertar mais interesse pelo filme, inclusive porque o ator tem aqui um desafio que o empurra para o território do risco.
De qualquer forma, Mello tem acumulado experiências diversificadas no cinema, de "Lavoura Arcaica" (2001) a "O Cheiro do Ralo" (2006), e não se tem aqui uma novidade. Para Alessandra Negrini, a parceria com Bressane, iniciada em "Cleópatra" (2007), é mais distintiva, e sua presença em cena vai muito além do apelo da nudez (o que já não é pouco).
Diz muito a respeito da produção brasileira atual e das condições de mercado que "A Erva do Rato", mesmo com esses dois nomes no elenco, entre em cartaz em São Paulo em apenas uma sala. O fino cinema de invenção de Bressane sempre foi para poucos, mas não vamos exagerar.


A ERVA DO RATO

Direção: Júlio Bressane
Com: Selton Mello, Alessandra Negrini
Onde: estreia amanhã no Frei Caneca Unibanco Arteplex 5
Classificação: 18 anos
Avaliação: bom




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