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Crítica/"A Erva do Rato"
Filme incorpora ironia de Machado
Inspirado por dois contos do escritor, longa do diretor Júlio Bressane explora fetiches, medos e patologias de um casal
SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA
Dois contos de Machado
de Assis (1839-1908)
estão na origem do argumento de "A Erva do Rato".
Em "Um Esqueleto" (1875),
uma roda de amigos ouve a história de um homem que continuava a conviver com a mulher
morta. Em "A Causa Secreta"
(1885), um triângulo amoroso
se forma em paralelo à revelação das perversidades de um de
seus integrantes.
Das tramas, o diretor e roteirista Júlio Bressane extrai apenas duas imagens-chave. A primeira, da mulher que sobrevive, para o marido arrependido
por matá-la, como esqueleto. A
segunda, do homem cuja patologia é sugerida, à esposa e a um
amigo, pelo requinte sádico
com que mata um rato.
Não é, portanto, um exercício
de diálogo entre cinema e literatura que corresponda à categoria de adaptação de "Brás Cubas" (1985), também realizado
por Bressane a partir da obra de
Machado, mas orientado por
uma leitura contemporânea
das "Memórias Póstumas"
(1881) em forma de audiovisual.
É difícil passar impune pela
obra de um escritor de estilo e
ambientação muito fortes, contudo, mesmo que sejam retirados de seu texto só dois instantâneos. Assim, junto dos momentos breves desses contos,
Bressane traz deles também,
entre outros aspectos, a ironia e
a sensação de que as coisas parecem estar fora de lugar.
"A Erva do Rato" começa,
sintomaticamente, em um pequeno cemitério. Ali, um homem (Selton Mello) e uma mulher (Alessandra Negrini) contemplam lápides, à distância,
sem que a presença de um seja
registrada pelo outro. Um lance
fortuito, no entanto, os aproxima -e não mais os separará,
haja o que houver.
A casa onde passam a viver
juntos torna-se o cenário -algo
claustrofóbico, de intimidade
forçada antes mesmo de desejada- para que ambos se entreguem a uma radical tentativa
de aproximação e de conhecimento mútuo, pautada pela
manifestação de fetiches, medos e patologias.
Jogo entre atores
Embora as coordenadas da
representação -de notável riqueza plástica, com fotografia
de Walter Carvalho, diretor de
"Budapeste"- sejam estabelecidas por Bressane, o jogo pertence em boa medida aos dois
atores, inseridos em situação
taciturna, que, o público, acostumado a vê-los em outras circunstâncias, mais leves e até
zombeteiras, talvez estranhe.
A circunstancial superexposição de Selton Mello -já em
cartaz com "A Mulher Invisível" e, a partir desta sexta, também com um terceiro longa no
qual faz o protagonista, "Jean
Charles"- talvez prejudique "A
Erva do Rato" quando deveria
contribuir para despertar mais
interesse pelo filme, inclusive
porque o ator tem aqui um desafio que o empurra para o território do risco.
De qualquer forma, Mello
tem acumulado experiências
diversificadas no cinema, de
"Lavoura Arcaica" (2001) a "O
Cheiro do Ralo" (2006), e não
se tem aqui uma novidade. Para
Alessandra Negrini, a parceria
com Bressane, iniciada em
"Cleópatra" (2007), é mais distintiva, e sua presença em cena
vai muito além do apelo da nudez (o que já não é pouco).
Diz muito a respeito da produção brasileira atual e das
condições de mercado que "A
Erva do Rato", mesmo com esses dois nomes no elenco, entre
em cartaz em São Paulo em
apenas uma sala. O fino cinema
de invenção de Bressane sempre foi para poucos, mas não
vamos exagerar.
A ERVA DO RATO
Direção: Júlio Bressane
Com: Selton Mello, Alessandra Negrini
Onde: estreia amanhã no Frei Caneca
Unibanco Arteplex 5
Classificação: 18 anos
Avaliação: bom
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