São Paulo, quinta-feira, 25 de junho de 2009

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COMIDA

Em fogo lento

Carnes variadas, embutidos, legumes, condimentos e um longo cozimento. Assim se faz um bom cozido, do bollito misto italiano à panelada brasileira

JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando a tampa se abre, instantaneamente um vapor aromático toma o ar. Por aquele caldo já passaram cenouras, cebolas, batatas-doces e uma infinidade de carnes de diferentes sabores e texturas, das mais magras às mais gordas. Sem esquecer as gelatinosas e os embutidos. Alguma especiaria, sal e fogo baixo por horas a fio.
Seja qual for a nacionalidade do cozido, a lógica do cozimento brando prevalece. Há que se entender o tempo que cada ingrediente precisa para chegar à melhor textura. Não importa qual é o nome, se bollito misto, pot-au-feu, panelada do sertão, cozido português, puchero ou tchulent (ou choulent).
Às quartas e domingos, quem vai ao Parigi se depara logo no entrada com o carrinho do bollito misto e com o maître que desde 1956 domina a arte de servi-lo. Foi nos tempos áureos do Ca'd'Oro que Ático Alves de Souza, 82, começou a cuidar do cozido italiano e cortar línguas, músculos, paletas de vitela, charques, frangos e os embutidos cotechino e zampone. Sem falar nos repolhos, batatas-doces, mandioquinhas, cenouras, batatinhas e cebolas.
O líquido resultante com todos esses sabores dá início à refeição na forma de um cappelletti in brodo. É com ele também que se faz o "piará", um pirão cheio de sabor incrementado pela sustança do tutano.
"Chamo de piará para não falar pirão. Tem gente que diz que não é baiano para comer pirão", brinca o maître, um baiano de Monte Santo.
Na quarta-feira da semana passada, seu Ático, como é conhecido pelos clientes, "quase nadou". O jargão culinário explica o sufoco para servir, em menos de duas horas, 41 bollitos. Dias de frio, diz, são assim.

Ferver delicado
"O bollito mais rico, o mais interessante, o mais complexo é o do norte da Itália, da Lombardia", explica o chef italiano Salvatore Loi, 47, do Fasano, que até a abertura do Parigi tinha um carrinho de bollito já pilotado pelo maître Ático.
"É um prato simples, mas trabalhoso, demanda paciência. Cada corte tem um tempo de cozimento. É muito importante respeitar isso. Deve ser um ferver delicado", ensina.
"Todas essas receitas de cozido têm base na gastronomia pobre, camponesa, que foi migrando para as mesas requintadas e ganhando mais carne e temperos", diz o chef.
E é a fartura, ou não, que determina a variedade de ingredientes da panelada brasileira. O que vai? "Basicamente tudo", diz Rodrigo Oliveira, do Mocotó. "Há as ricas e as pobres. Não existe uma receita clássica. Tem que ter mão de vaca [mocotó], tripa e bucho de boi. Alguns põem carne-seca e legumes, como maxixe e jerimum."
"Uma vez, comi em Fortaleza uma panelada bem tradicional. Ia músculo, mocotó, bucho e o pirão engrossado com farinha de mandioca para acompanhar", conta a chef Mara Salles, do restaurante Tordesilhas.
O correspondente francês, o pot-au-feu, também é um "prato de cozinha camponesa que virou um prato nacional", diz Marie-France Henry, 52, proprietária do La Casserole.
A versão tradicional leva vários cortes de carne de boi e legumes cozidos num caldo aromático com ervas e legumes.
"É importante que tenha um osso com tutano e vários cortes do que a gente chama de carne de segunda. Um cozido de filé mignon ia virar um cozido de quinta", brinca Marie.
"O grande barato do pot-au-feu é o ritual para comê-lo. Primeiro, serve-se o caldo com um bom pão rústico grelhado. Esse mesmo pão é passado no tutano. Depois, comem-se as carnes e legumes, sem pressa."
Por ser um prato que "nunca se come sozinho nem com pouco tempo", o La Casserole o faz sob encomenda para grupos, no mínimo, oito pessoas. "É um prato que requer convívio", diz.


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