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COMIDA
Em fogo lento
Carnes variadas, embutidos, legumes, condimentos e um longo cozimento. Assim se faz um bom cozido, do bollito misto italiano à panelada brasileira
JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando a tampa se abre, instantaneamente um vapor aromático toma o ar. Por aquele
caldo já passaram cenouras, cebolas, batatas-doces e uma infinidade de carnes de diferentes
sabores e texturas, das mais
magras às mais gordas. Sem esquecer as gelatinosas e os embutidos. Alguma especiaria, sal
e fogo baixo por horas a fio.
Seja qual for a nacionalidade
do cozido, a lógica do cozimento brando prevalece. Há que se
entender o tempo que cada ingrediente precisa para chegar à
melhor textura. Não importa
qual é o nome, se bollito misto,
pot-au-feu, panelada do sertão,
cozido português, puchero ou
tchulent (ou choulent).
Às quartas e domingos, quem
vai ao Parigi se depara logo no
entrada com o carrinho do bollito misto e com o maître que
desde 1956 domina a arte de
servi-lo. Foi nos tempos áureos
do Ca'd'Oro que Ático Alves de
Souza, 82, começou a cuidar do
cozido italiano e cortar línguas,
músculos, paletas de vitela,
charques, frangos e os embutidos cotechino e zampone. Sem
falar nos repolhos, batatas-doces, mandioquinhas, cenouras,
batatinhas e cebolas.
O líquido resultante com todos esses sabores dá início à refeição na forma de um cappelletti in brodo. É com ele também que se faz o "piará", um pirão cheio de sabor incrementado pela sustança do tutano.
"Chamo de piará para não falar pirão. Tem gente que diz
que não é baiano para comer pirão", brinca o maître, um baiano de Monte Santo.
Na quarta-feira da semana
passada, seu Ático, como é conhecido pelos clientes, "quase
nadou". O jargão culinário explica o sufoco para servir, em
menos de duas horas, 41 bollitos. Dias de frio, diz, são assim.
Ferver delicado
"O bollito mais rico, o mais
interessante, o mais complexo
é o do norte da Itália, da Lombardia", explica o chef italiano
Salvatore Loi, 47, do Fasano,
que até a abertura do Parigi tinha um carrinho de bollito já
pilotado pelo maître Ático.
"É um prato simples, mas
trabalhoso, demanda paciência. Cada corte tem um tempo
de cozimento. É muito importante respeitar isso. Deve ser
um ferver delicado", ensina.
"Todas essas receitas de cozido têm base na gastronomia
pobre, camponesa, que foi migrando para as mesas requintadas e ganhando mais carne e
temperos", diz o chef.
E é a fartura, ou não, que determina a variedade de ingredientes da panelada brasileira.
O que vai? "Basicamente tudo",
diz Rodrigo Oliveira, do Mocotó. "Há as ricas e as pobres. Não
existe uma receita clássica.
Tem que ter mão de vaca [mocotó], tripa e bucho de boi. Alguns põem carne-seca e legumes, como maxixe e jerimum."
"Uma vez, comi em Fortaleza
uma panelada bem tradicional.
Ia músculo, mocotó, bucho e o
pirão engrossado com farinha
de mandioca para acompanhar", conta a chef Mara Salles,
do restaurante Tordesilhas.
O correspondente francês, o
pot-au-feu, também é um "prato de cozinha camponesa que
virou um prato nacional", diz
Marie-France Henry, 52, proprietária do La Casserole.
A versão tradicional leva vários cortes de carne de boi e legumes cozidos num caldo aromático com ervas e legumes.
"É importante que tenha um
osso com tutano e vários cortes
do que a gente chama de carne
de segunda. Um cozido de filé
mignon ia virar um cozido de
quinta", brinca Marie.
"O grande barato do pot-au-feu é o ritual para comê-lo. Primeiro, serve-se o caldo com um
bom pão rústico grelhado. Esse
mesmo pão é passado no tutano. Depois, comem-se as carnes e legumes, sem pressa."
Por ser um prato que "nunca
se come sozinho nem com pouco tempo", o La Casserole o faz
sob encomenda para grupos, no
mínimo, oito pessoas. "É um
prato que requer convívio", diz.
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