São Paulo, sábado, 25 de junho de 2011

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CRÍTICA ROMANCE

Livro de Abraham Verghese carece de um bom bisturi

Misto das séries "House" e "Plantão Médico", romance peca pelo excesso

FLÁVIO MOURA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Uma boa sacada do crítico James Wood é o "realismo histérico". Ele cunhou o termo para designar uma linhagem do romance em busca de vitalidade a todo custo.
Narrativas imensas, tramas e subtramas a perder de vista, animais falantes, grupos terroristas em cadeiras de rodas: o "realismo histérico" tende sempre ao movimento e teme o silêncio.
"O 11º Mandamento", de Abraham Verghese, tem parentesco com essa vertente.
São mais de 600 páginas e um painel que abrange cinco décadas, África, Ásia e Estados Unidos, telepatia, gêmeos ligados pelo crânio, amor entre freiras e médicos, e muita cor local.
O centro do enredo é a relação entre dois irmãos nascidos na Etiópia, nos anos 1950. São filhos de uma freira missionária com um cirurgião, que os abandona após a morte da mãe no parto.
Ambos são criados como órfãos no hospital e estudam medicina num país partido pela guerra. O conflito que se instala entre os dois é o fio da narração, 50 anos depois.
A diferença com o "realismo histérico" está no tom. James Wood usa o termo para falar de livros de Don DeLillo, Zadie Smith e Thomas Pynchon, autores que mobilizam de forma crítica o repertório da tradição literária.
Verghese tende mais ao derramado que ao experimental -não há sombra de indagação sobre a linguagem ou a forma de narrar.
Há outro ingrediente que distingue o livro: a medicina.
Verghese é um médico bem-sucedido nos Estados Unidos que já relatou em "Minha Terra", lançado no Brasil em 1995, experiências tocantes com pacientes de Aids.
Nos melhores momentos, "O 11º Mandamento" é uma mistura de Zadie Smith com dr. House. Há partos e transplantes de fígado descritos em detalhe, incisões, fluidos e cenas na sala de cirurgia que lhe dão ares de um "Plantão Médico".
Mais de 1 milhão de exemplares foram vendidos desde que foi lançado, em 2009. Parte do sucesso se deve ao parentesco com séries de TV.
Outra parte se pode atribuir à intensidade do drama. Como romance histórico, o livro também funciona. Há pesquisa séria por trás da reconstituição de época e o enredo prende a atenção.
Mas não é livro que figure na linha de frente do romance atual. E isso não pelo parentesco com o "realismo histérico", mas pelos excessos que saltam à vista. Faltou quem lhe aplicasse um bom bisturi.

FLÁVIO MOURA é jornalista e mestre em sociologia pela USP.

O 11º MANDAMENTO

AUTOR Abraham Verghese
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Donaldson M. Garschagen
QUANTO R$ 54 (632 págs.)
AVALIAÇÃO regular


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