|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
São Paulo dança com sapatilhas holandesas
Grupo mais jovem do Nederlands Dans Theater se apresenta de hoje a domingo no teatro Alfa; leia entrevista com o idealizador e diretor tcheco da companhia, Jiri Kylian
|
ANA FRANCISCA PONZIO
especial para a Folha
O Nederlands Dans Theater 2,
que estréia hoje em São Paulo no
teatro Alfa, representa um dos
mais bem-sucedidos projetos artísticos da atualidade.
Sediada na cidade holandesa de
Haia, essa companhia de jovens
bailarinos, cuja faixa etária média
é de 20 anos, integra o triplo grupamento artístico idealizado e dirigido pelo tcheco Jiri Kylian, um renovador da linguagem clássica do
balé e um dos mais influentes coreógrafos da dança contemporânea.
Além do grupo júnior, ou número 2, o NDT é formado pela companhia principal (a número 1) e o
terceiro elenco, que reúne bailarinos com mais de 40 anos.
Em entrevista à Folha, Kylian comenta suas últimas investigações.
Folha - Os recursos do vídeo começam a aparecer em suas criações, como no espetáculo que você
acaba de criar para o Ballet da
Ópera de Paris. Como foi essa experiência?
Jiri Kylian - No espetáculo do Ballet da Ópera de Paris resolvi trabalhar com apenas quatro bailarinos
e usar madrigais a capela, de Monteverdi e Gesualdo, interpretados
por cantores do grupo barroco Les
Arts Florissants.
Comparativamente, acho que
Monteverdi é o compositor da luz,
enquanto Gesualdo penetra nas
sombras, na escuridão. Eles são como o yang e o ying, as duas forças
que compõem o ser humano.
Com o recurso da videocâmera,
pude sugerir essas duas dimensões. Decidi que os bailarinos às
vezes dançariam no palco e, em
outros momentos, no alçapão do
teatro. Projetar em uma enorme
tela colocada no palco a ação que
se desenrolava no espaço subterrâneo foi como ressuscitar o fantasma da ópera (risos).
Folha - Qual a razão dessa recente afinidade com o vídeo?
Kylian - O close-up me atrai. Em
geral, principalmente em teatros
grandes, vemos belos, mas minúsculos bailarinos no palco. Por causa da distância, suas expressões escapam à platéia. Com o vídeo, podemos nos aproximar de certas
emoções estampadas nas faces dos
bailarinos e isso tem uma beleza
especial.
Artistas como Grace Kelly e
Charles Chaplin tornaram-se estrelas maravilhosas porque tiveram suas faces mostradas em tamanho ampliado nas telas dos cinemas. Essa consideração pode
parecer tola, mas é um detalhe importante do vídeo, que hoje é um
fenômeno.
No entanto, por causa de seus
truques, o vídeo pode desumanizar a interpretação dos bailarinos,
e esse é um perigo que pode matar
o poder do intérprete. Acho que o
vídeo deve servir para descobrirmos a alma dos bailarinos.
Folha - Você costuma dizer que
os três grupos que compõem o Nederlands Dans Theater representam três dimensões da vida do bailarino. Como você enxerga essas
dimensões?
Kylian - O grupo 1 é uma linha
que vai da esquerda para a direita,
como uma linha de horizonte situada em frente aos nossos olhos.
O grupo 2, que é o mais jovem, é
como uma linha que parte de uma
base inferior em direção à altura.
Trata-se de uma linha vertical e
agressiva.
No grupo 3, vejo uma linha que
nasce em nossos olhos em direção
ao horizonte, e ela vai tão longe
que desaparece. Portanto, a primeira linha é constante, a segunda
está em ascensão, e a terceira busca
o infinito.
Folha - Como você pensa o movimento ao utilizá-lo como principal
recurso de seus espetáculos?
Kylian - Movimento é a essência
da coreografia, e isso é o que ainda
mais me interessa. É preciso entender que os movimentos dos seres
humanos são infinitos em suas
possibilidades.
O corpo humano é um sistema
de dobradiças, de ligamentos, como os joelhos. Temos em nosso
corpo 272 pontos capazes de gerar
movimentos de rotação. Mesmo
assim, achamos que nosso corpo é
cheio de limites. Antes de lidar
com as limitações do corpo, é preciso encontrar a liberdade.
Se você me der mais dois minutos, vou contar mais um história
tola. Certa vez, um homem resolveu vender seu jardim. Ele então
colocou um anúncio no jornal que
descrevia um jardim enorme.
Ao constatar que tal jardim tinha
apenas dez metros de profundidade por dez metros de largura, o primeiro comprador interessado perguntou ao proprietário por que ele
havia anunciado um terreno tão
grande.
O dono do jardim então respondeu que, se olhassem em volta, eles
realmente achariam o terreno
muito pequeno, mas descobririam
seu tamanho gigantesco se olhassem para o alto.
Com relação ao corpo humano,
também temos que pensar em possibilidades infinitas, mesmo em
meio a limites.
Espetáculo: Nederlands Dans Theater 2
Onde: teatro Alfa (r. Bento Branco de
Andrade Filho, 722; tel. 011/5693-4000)
Quando: hoje e amanhã, às 21h, e domingo,
às 17h
Quanto: R$ 70 a R$ 100
Patrocínio: Avon e Ministério da Cultura
Texto Anterior: Programação de TV Próximo Texto: Brasil vê apenas um Kylian Índice
|