São Paulo, Sexta-feira, 25 de Junho de 1999
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São Paulo dança com sapatilhas holandesas


Grupo mais jovem do Nederlands Dans Theater se apresenta de hoje a domingo no teatro Alfa; leia entrevista com o idealizador e diretor tcheco da companhia, Jiri Kylian


ANA FRANCISCA PONZIO
especial para a Folha

O Nederlands Dans Theater 2, que estréia hoje em São Paulo no teatro Alfa, representa um dos mais bem-sucedidos projetos artísticos da atualidade.
Sediada na cidade holandesa de Haia, essa companhia de jovens bailarinos, cuja faixa etária média é de 20 anos, integra o triplo grupamento artístico idealizado e dirigido pelo tcheco Jiri Kylian, um renovador da linguagem clássica do balé e um dos mais influentes coreógrafos da dança contemporânea.
Além do grupo júnior, ou número 2, o NDT é formado pela companhia principal (a número 1) e o terceiro elenco, que reúne bailarinos com mais de 40 anos.
Em entrevista à Folha, Kylian comenta suas últimas investigações.

Folha - Os recursos do vídeo começam a aparecer em suas criações, como no espetáculo que você acaba de criar para o Ballet da Ópera de Paris. Como foi essa experiência?
Jiri Kylian -
No espetáculo do Ballet da Ópera de Paris resolvi trabalhar com apenas quatro bailarinos e usar madrigais a capela, de Monteverdi e Gesualdo, interpretados por cantores do grupo barroco Les Arts Florissants.
Comparativamente, acho que Monteverdi é o compositor da luz, enquanto Gesualdo penetra nas sombras, na escuridão. Eles são como o yang e o ying, as duas forças que compõem o ser humano.
Com o recurso da videocâmera, pude sugerir essas duas dimensões. Decidi que os bailarinos às vezes dançariam no palco e, em outros momentos, no alçapão do teatro. Projetar em uma enorme tela colocada no palco a ação que se desenrolava no espaço subterrâneo foi como ressuscitar o fantasma da ópera (risos).

Folha - Qual a razão dessa recente afinidade com o vídeo?
Kylian -
O close-up me atrai. Em geral, principalmente em teatros grandes, vemos belos, mas minúsculos bailarinos no palco. Por causa da distância, suas expressões escapam à platéia. Com o vídeo, podemos nos aproximar de certas emoções estampadas nas faces dos bailarinos e isso tem uma beleza especial.
Artistas como Grace Kelly e Charles Chaplin tornaram-se estrelas maravilhosas porque tiveram suas faces mostradas em tamanho ampliado nas telas dos cinemas. Essa consideração pode parecer tola, mas é um detalhe importante do vídeo, que hoje é um fenômeno.
No entanto, por causa de seus truques, o vídeo pode desumanizar a interpretação dos bailarinos, e esse é um perigo que pode matar o poder do intérprete. Acho que o vídeo deve servir para descobrirmos a alma dos bailarinos.

Folha - Você costuma dizer que os três grupos que compõem o Nederlands Dans Theater representam três dimensões da vida do bailarino. Como você enxerga essas dimensões?
Kylian -
O grupo 1 é uma linha que vai da esquerda para a direita, como uma linha de horizonte situada em frente aos nossos olhos. O grupo 2, que é o mais jovem, é como uma linha que parte de uma base inferior em direção à altura. Trata-se de uma linha vertical e agressiva.
No grupo 3, vejo uma linha que nasce em nossos olhos em direção ao horizonte, e ela vai tão longe que desaparece. Portanto, a primeira linha é constante, a segunda está em ascensão, e a terceira busca o infinito.

Folha - Como você pensa o movimento ao utilizá-lo como principal recurso de seus espetáculos?
Kylian -
Movimento é a essência da coreografia, e isso é o que ainda mais me interessa. É preciso entender que os movimentos dos seres humanos são infinitos em suas possibilidades.
O corpo humano é um sistema de dobradiças, de ligamentos, como os joelhos. Temos em nosso corpo 272 pontos capazes de gerar movimentos de rotação. Mesmo assim, achamos que nosso corpo é cheio de limites. Antes de lidar com as limitações do corpo, é preciso encontrar a liberdade.
Se você me der mais dois minutos, vou contar mais um história tola. Certa vez, um homem resolveu vender seu jardim. Ele então colocou um anúncio no jornal que descrevia um jardim enorme.
Ao constatar que tal jardim tinha apenas dez metros de profundidade por dez metros de largura, o primeiro comprador interessado perguntou ao proprietário por que ele havia anunciado um terreno tão grande.
O dono do jardim então respondeu que, se olhassem em volta, eles realmente achariam o terreno muito pequeno, mas descobririam seu tamanho gigantesco se olhassem para o alto.
Com relação ao corpo humano, também temos que pensar em possibilidades infinitas, mesmo em meio a limites.


Espetáculo: Nederlands Dans Theater 2
Onde: teatro Alfa (r. Bento Branco de Andrade Filho, 722; tel. 011/5693-4000)
Quando: hoje e amanhã, às 21h, e domingo, às 17h
Quanto: R$ 70 a R$ 100
Patrocínio: Avon e Ministério da Cultura


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