São Paulo, quarta-feira, 25 de julho de 2001

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ESPÉCIE EM EXTINÇÃO

Para membros da ABMI, sem criatividade, majors conspiram contra si mesmas

"Monocultura" esgota mercado, dizem indies

ISRAEL DO VALE
ENVIADO ESPECIAL A ITABIRA

A "monocultura" praticada pelas grandes corporações do disco no Brasil é a principal responsável pelo impasse vivido hoje no mercado fonográfico nacional. É assim que a Associação Brasileira de Música Independente, a ABMI, vê o estrangulamento do mercado, com a disseminação da pirataria que, sim, lança estilhaços contra gravadoras pequenas e médias.
A imagem é evocada em referência à concentração dos lançamentos em artistas de um mesmo filão musical (axé, sertanejo, pagode etc.) e à estratégia "extrativista", de exploração daquele perfil até o esgotamento.
A análise foi feita no último final de semana por Eduardo Muszkat, membro do grupo executivo da ABMI e dono da MCD (principal distribuidora exclusivamente independente do país), durante o 1º Encontro Brasileiro de Produção Musical, braço do 27º Festival de Inverno de Itabira, Minas Gerais.
Os independentes são responsáveis por uma parcela significativa do mercado brasileiro atualmente, seja do ponto de vista do volume de lançamentos -estima-se que duelem em número de títulos-, seja em relação à amplitude de novos artistas e estilos. "As grandes gravadoras não investem em novidade porque novidade é risco", afirma Muszkat. Com um agravante: "As majors não têm autonomia no Brasil, ainda que algumas tenham um cast de até 80% de artistas nacionais", diz Carlos de Andrade, dono do selo e estúdio Visom Digital, do Rio de Janeiro, com perfil voltado para a música instrumental.
Ex-diretor da ABPD, entidade que congrega todas as majors, Andrade articula a afiliação da ABMI à associação, de olho no que diz ser "uma tendência internacional de integração de independentes à indústria formal". Para ele, a estratégia das grandes de lançar cada vez mais coletâneas de artistas consagrados a preços promocionais é mais uma armadilha que a indústria monta para si mesma -e que se estende aos independentes. "Isso deprecia o produto do artista de renome e cria um parâmetro ruim de preços que dificulta a aposta do consumidor em novos talentos, lançados com preços maiores."

Lojas de fraldas
Sem a mesma abrangência de distribuição e sem verba para investir em marketing -eufemismo para o dito jabá, que determina a execução das músicas na maior parte das rádios-, os independentes buscam maneiras diferenciadas de dar visibilidade aos seus artistas e de chegar ao consumidor. Seis de cada dez lugares da rede de mil pontos de venda que recebe os cerca de 200 títulos da MCD hoje não têm a música como atividade principal. "Vendemos nossos discos no Empório Armani e até em lojas de fraldas, no caso dos infantis", conta Muszkat, da também gravadora MCD, que tem dez títulos próprios em catálogo, especialmente no segmento da world music.
Com tiragens iniciais modestas, entre mil e 3.000 discos na média, os independentes não teriam como esparramar seus discos por lojas de todo o país. Na visão indie, mais do que levar o CD às prateleiras das grandes redes ou criar ramificações por todo o território nacional, a grande ambição é identificar o consumidor que tenha interesse específico por trabalhos de determinado perfil.
Nesse sentido, a internet é grande aliada. Felippe Llerena, da carioca Nikita -que já lançou 20 títulos desde outubro de 1999-, divulga e vende o trabalho de artistas de sua gravadora e de parceiras na distribuidora de música digital imusica (www.imusi ca.com.br), que vende música a R$ 1,80 por faixa e serve de vitrine para estreitar o contato com mercados internacionais.
Um dos fundadores da Natasha Records, Llerena tem feito também a ponte no exterior para artistas como Virginia Rodrigues, licenciada pela Rykodisc, uma das principais independentes norte-americanas -que chega a vender 500 mil cópias de artistas como Frank Zappa ou David Bowie, mas no grosso não passa dos 5.000 discos, em média.
Também presente no evento em Itabira, John Telfer, ex-executivo da Ryko e da Virgin e proprietário da Basement Music, trabalha na formação de uma rede de distribuição mundial independente. Seu principal motivador é "a falta de criatividade" das majors. "As grandes só sabem vender música pop. Há uma incrível demanda mal aproveitada por música brasileira de qualidade no exterior."


O jornalista Israel do Vale viajou a convite da ABMI



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