São Paulo, quarta-feira, 25 de julho de 2007

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JOÃO PEREIRA COUTINHO

Delícias turcas


Hoje, caminhar por Istambul é observar uma cidade oriental perfeitamente integrada ao Ocidente


PERGUNTA CLÁSSICA : será possível acreditar em Maomé e, ainda assim, respeitar as instituições próprias de uma democracia liberal? Os casos do Iraque, do Afeganistão ou do Irã não oferecem uma resposta otimista. Talvez a Turquia seja o supremo teste. E talvez as eleições do domingo passado ofereçam motivos moderados para festejar.
Recep Tayyip Erdogan, primeiro-ministro, consegue maioria parlamentar (47%) pelo Partido da Justiça e Desenvolvimento. Mas consegue, acima de tudo, uma participação eleitoral de 86%, o que mostra bem a importância do ato para o futuro do país e até da Europa. Como explicar o fenômeno?
As reformas econômicas de Erdogan são parte da explicação: com crescimento econômico de 7% ao ano desde que chegou ao poder, em 2002, inflação sob controle e, como lembrava o londrino "The Times", a situação singular de uma Turquia que já não exporta os seus trabalhadores para a Europa e para o Oriente Médio, Erdogan responde aos anseios "ocidentais" de uma classe média crescente, letrada, afluente e que olha agora para a União Européia como destino final de uma modernização progressiva.
Hoje, caminhar por Istambul é observar uma cidade oriental em perfeita integração com o Ocidente europeu.
Mas a vitória de Erdogan pode ser explicada -e deve ser explicada- como resposta duríssima à excessiva influência das Forças Armadas na vida política daquele país. Elas sempre olharam para Erdogan (e para a sua alegada agenda islamista) como uma ameaça à herança secularista deixada por Kemal Ataturk, o fundador da República, em 1923.
Votar em Erdogan foi, também por isso, uma recusa à tutela militar sobre a sociedade turca.
Resta saber o que esperar de Erdogan com uma maioria reforçada no Parlamento, embora longe dos dois terços de que precisava para alterar a Constituição forjada pelos militares no ano de 1980. A sua resposta será a experiência crucial da democracia no mundo islâmico.
Para começar, será improvável, mas não impensável, que o Exército turco (autor de quatro golpes de estado desde 1960) se oponha à maioria de Erdogan.
E, para acabar, será improvável -mas igualmente não impensável- que Erdogan possa falhar na nomeação de um candidato presidencial capaz de unir islâmicos, laicos e nacionalistas curdos (o presidente tem papel relevante no parlamentarismo turco por deter direito de veto e nomear o chefe de Estado-Maior das Forças Armadas).
Uma coisa, entretanto, parece segura: se a Turquia conseguir encontrar o equilíbrio entre a democracia e a religião, permitindo que esta última retome o seu espaço na cena pública sem necessariamente dominá-la, esse será o acontecimento mais importante da República desde a sua fundação.


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