São Paulo, sexta-feira, 25 de julho de 2008

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Crítica

Filme extrai poesia de estrutura clássica, mas se perde no final

CRÍTICO DA FOLHA

O morro desce, o asfalto sobe. A mestiçagem entre as duas forças na cultura urbana brasileira, particularmente no espaço físico do Rio, passou a ser retratada, nos filmes a partir de "Cidade de Deus", como oposição, conflito que emerge sob a capa da violência. Na contramão desta vertente, "Era uma Vez..." extrai o que tem de melhor de uma poesia que brota da fusão dos dois universos no paradigma do casal apaixonado. Desde o título, o novo filme de Breno Silveira assume querer o velho encanto das histórias tradicionais, mesmo que já tenham sido contadas antes, como já acontecia no sucesso "2 Filhos de Francisco". Silveira demonstra consciência de adentrar em terreno minado e evita, tanto quanto possível, o efeito de retrato sociológico de "Cidade dos Homens", "Tropa de Elite" e "Maré, Nossa História de Amor". A sociologia de "Era uma Vez..." funciona mais como pano de fundo e gatilho dramático do que como interpretação. Deste modo, a encenação dos universos sociais pertence mais à ordem do cinema que de qualquer outra que pudesse lhe barrar os movimentos. É o que fica evidente no modo como o filme explora com destreza as significações dos espaços, retomando a estrutura clássica de intercalar dois pontos de vista, como nos habituamos nas cenas de diálogo. Primeiro, oferece o olhar de Dé para Nina na perspectiva daquele, de baixo para cima, do quiosque para o apartamento luxuoso. Depois, no encantamento de Nina ao ver a praia de um terraço no meio do morro. No entrelaçar dessas perspectivas, o filme expressa o enamoramento em vez do medo. É também por intermédio do espaço que "Era uma Vez..." demonstra os processos de exclusão mútua, em duas belas cenas de festa, uma na praia, outra num baile funk. Entretanto, a mesma obediência a regras clássicas pelo roteiro que adota o esquematismo de apresentação-conflito-solução reconduz o filme para dentro do terreno minado em seu desdobramento final, fácil, melodramático no mau sentido e infiel à beleza que havia alcançado na primeira parte.
(CÁSSIO STARLING CARLOS)

ERA UMA VEZ...
Produção: Brasil, 2008
Direção: Breno Silveira
Com: Thiago Martins, Vitoria Frate
Onde: estréia hoje nos cines Anália Franco, Bristol e circuito
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 14 anos
Avaliação: regular



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