São Paulo, sexta-feira, 25 de julho de 2008

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Comentário

Voz delicada era espelho do temperamento

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA REPORTAGEM LOCAL

Reza uma anedota que, sem conseguir dar vazão ao seu famoso mau humor diante da doçura e do talento de Zezé Gonzaga, Radamés Gnattali resolveu reclamar que ela era afinada demais (troque esta última palavra por um palavrão e tempere tudo com a voz roufenha do maestro).
Delicada no temperamento e no canto, Zezé só parecia capaz de irritar os outros por causa de sua voz impecável e da teimosia em não buscar algum tipo de sucesso. Ciente da primeira, seu fiel amigo Herminio Bello de Carvalho lutava, de quando em quando, para superar a segunda.
Foi assim, por exemplo, em 1979, retirando-a de um período de 12 anos de ostracismo voluntário, no qual ela tocou uma empresa de jingles e cuidou, em Curitiba, de uma creche. Ela voltou para o Rio e gravou (com Radamés) "Valzinho - Um Doce Veneno", disco absolutamente belo e inacreditavelmente ainda não lançado em CD -pertence ao Museu da Imagem e do Som do Rio.
No ano passado, Herminio iniciou nova luta para que Zezé retornasse aos estúdios, que largara desde "Sou Apenas Uma Senhora que Ainda Canta" (2002), também produzido pelo amigo. Os problemas de saúde tornaram sua participação pequena, mas especial dentro de um CD de registros esquecidos: "Entre Cordas", lançado em fevereiro último, é um testamento discreto e comovente, como foi Zezé.
Sucesso, na verdade, ela só fez na segunda fase da chamada era do rádio, nos anos 40 e 50. Por causa de sua afinação, era a preferida dos músicos da rádio Nacional, que a contratou em 1948. Paulo Gracindo, um dos astros da emissora, a chamava de "minha namorada musical" -alcunha que usaria como título de um disco de 62.
Ganhou reconhecimento popular cantando baiões, boleros e sambas-canções (como "Linda Flor", uma de suas marcas, registrada em seu primeiro LP, de 56), gêneros que a maior parte da bossa nova teria prazer em ofuscar a partir do final da década de 50. Ela sentia mágoa por, mesmo gravando Tom e Vinicius no nascer da bossa, ter sido, a seu ver, desprezada pela nova música, como se fosse coisa velha. Algo discutível, mas até factível para a época, embora em nada redutor das suas qualidades como cantora.
Zezé gravou gêneros diversos, cantou Jorge Ben nos anos 60, mas seu estilo combinava mais com músicas de acento "antigo", como valsas, choros-canções, os sambas lentos. Suas versões de "Molambo" e "Duas Contas" são insuperáveis, mas não têm lá muita vez no alarido da atualidade. Ruim para Zezé, pior para a atualidade.


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