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Comentário
Voz delicada era espelho do temperamento
LUIZ FERNANDO VIANNA
DA REPORTAGEM LOCAL
Reza uma anedota que,
sem conseguir dar vazão ao
seu famoso mau humor
diante da doçura e do talento
de Zezé Gonzaga, Radamés
Gnattali resolveu reclamar
que ela era afinada demais
(troque esta última palavra
por um palavrão e tempere
tudo com a voz roufenha do
maestro).
Delicada no temperamento e no canto, Zezé só parecia
capaz de irritar os outros por
causa de sua voz impecável e
da teimosia em não buscar
algum tipo de sucesso. Ciente da primeira, seu fiel amigo
Herminio Bello de Carvalho
lutava, de quando em quando, para superar a segunda.
Foi assim, por exemplo,
em 1979, retirando-a de um
período de 12 anos de ostracismo voluntário, no qual ela
tocou uma empresa de jingles e cuidou, em Curitiba, de
uma creche. Ela voltou para
o Rio e gravou (com Radamés) "Valzinho - Um Doce
Veneno", disco absolutamente belo e inacreditavelmente ainda não lançado em
CD -pertence ao Museu da
Imagem e do Som do Rio.
No ano passado, Herminio
iniciou nova luta para que
Zezé retornasse aos estúdios,
que largara desde "Sou Apenas Uma Senhora que Ainda
Canta" (2002), também produzido pelo amigo. Os problemas de saúde tornaram
sua participação pequena,
mas especial dentro de um
CD de registros esquecidos:
"Entre Cordas", lançado em
fevereiro último, é um testamento discreto e comovente,
como foi Zezé.
Sucesso, na verdade, ela só
fez na segunda fase da chamada era do rádio, nos anos
40 e 50. Por causa de sua afinação, era a preferida dos
músicos da rádio Nacional,
que a contratou em 1948.
Paulo Gracindo, um dos astros da emissora, a chamava
de "minha namorada musical" -alcunha que usaria como título de um disco de 62.
Ganhou reconhecimento
popular cantando baiões, boleros e sambas-canções (como "Linda Flor", uma de
suas marcas, registrada em
seu primeiro LP, de 56), gêneros que a maior parte da
bossa nova teria prazer em
ofuscar a partir do final da
década de 50. Ela sentia mágoa por, mesmo gravando
Tom e Vinicius no nascer da
bossa, ter sido, a seu ver, desprezada pela nova música,
como se fosse coisa velha. Algo discutível, mas até factível
para a época, embora em nada redutor das suas qualidades como cantora.
Zezé gravou gêneros diversos, cantou Jorge Ben nos
anos 60, mas seu estilo combinava mais com músicas de
acento "antigo", como valsas,
choros-canções, os sambas
lentos. Suas versões de "Molambo" e "Duas Contas" são
insuperáveis, mas não têm lá
muita vez no alarido da atualidade. Ruim para Zezé, pior
para a atualidade.
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