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Autoajuda invade a ficção
Sequência de "O Vendedor de Sonhos" reforça a presença de livros de tom motivacional na lista de romances mais vendidos; "A Cabana" está lá há um ano
RAQUEL COZER
DA REPORTAGEM LOCAL
Um maltrapilho, estilo Robin
Williams em "O Pescador de
Ilusões" (1991), semeia ideias
filosóficas/psicológicas/espirituais no livro "O Vendedor de
Sonhos". O título está há um
ano nas listas de mais vendidos
do país e acaba de ganhar a
companhia de "O Vendedor de
Sonhos e a Revolução dos Anônimos", sua sequência.
O curioso é que as duas obras
do psiquiatra Augusto Cury, 50,
notório frequentador das listas
de autoajuda, figuram entre os
títulos de ficção. São escritas
em forma de romance, embora
tratem de temas edificantes no
discurso de seus personagens.
Com a chegada de "A Revolução dos Anônimos", a lista dos
mais vendidos de ficção da Folha (que contabiliza números
das principais livrarias do país)
incluía na semana passada três
romances de tom motivacional. O mais bem colocado deles
é "A Cabana", de William P.
Young, em que um pai que perdeu a filha troca uma ideia com
Deus. Está prestes a completar
um ano na lista e a chegar a 1
milhão de livros vendidos, tornando-se o maior fenômeno da
Sextante no ano de lançamento
-"O Código da Vinci", outro
hit do grupo, vendeu 400 mil
cópias em seu primeiro ano.
A previsão de Tomás Pereira,
um dos donos da editora, é que
"A Cabana" se torne o "maior
dos mais vendidos" da Sextante, superando a autoajuda "O
Monge e o Executivo" que vendeu 2 milhões de cópias.
"Acho que [vende tanto porque] fala profundamente ao coração", afirmou o canadense
Young, 54, à Folha. Ele agora
escreve seu segundo livro, que
a Sextante negocia.
Cury, autor de maior sucesso
comercial do Brasil nesta década, com mais de 10 milhões de
livros vendidos, disse à Folha
que "jamais" imaginou que
chegaria a "dois livros na lista
dos mais vendidos em ficção".
"Escritores melhores que eu
deveriam estar lá. Mas publicar
livros no Brasil é tarefa árdua."
Além dele, o único brasileiro na
lista é Chico Buarque, com
"Leite Derramado". "O Vendedor de Sonhos", 400 mil cópias
vendidas em um ano, ficou nesta semana na 12ª posição, enquanto a sequência subiu da
décima à oitava (veja à pág. E4).
Criador de uma teoria sobre
o processo de construção do
pensamento "usada em teses
acadêmicas", o psiquiatra rejeita o termo autoajuda -mesmo
para seus livros vendidos como
autoajuda. E diz que literatura
não é "só entretenimento".
"Eu não conseguiria escrever
ficção sem defender teses filosóficas, psicológicas. Procuro
estimular a arte do pensar."
Ele afirma que começou a escrever romances, em 2005,
porque a não ficção "produz
um desgaste psíquico dantesco", já que exige "uma gama de
argumentos coerentes". A ficção, por outro lado, "liberta".
"Fico livre para tecer ideias."
Paulo Coelho
Tomás Pereira acredita que
esse tipo de romance faz sucesso por ser "mais agradável ler
uma história que uma não ficção". "Paulo Coelho foi o cara
que sacou isso antes de todo
mundo", ele diz. Curiosamente,
nem Cury nem Young leem
Coelho -e ambos dizem preferir filosofia e psicologia a ficção.
Rogério Alves, gerente editorial da Planeta, que publica os
livros de Cury no selo Academia da Inteligência, acha "O
Vendedor de Sonhos" "muito
diferente" de autoajuda. "É
uma história do começo ao fim,
não é como uma fábula da qual
se tire ensinamentos." O dono
da Sextante também considera
que "A Cabana" vai além disso.
"Há conceitos elaborados de
teologia ali. É um pouco mais
complexo que autoajuda."
Na esteira desses sucessos,
novos títulos confundem até os
livreiros. "Por que Você Não
Quer Mais Ir à Igreja", lançado
como ficção pela Sextante, na
linha de "A Cabana", chegou às
lojas há 20 dias. Vendeu 18 mil
exemplares e apareceu em várias listas de mais vendidos de
autoajuda. "Já avisamos as livrarias de que é ficção; elas estão mudando", diz Pereira.
Alexandre Martins Fontes,
diretor-executivo da Martins
Fontes, avalia que o fato de um
livro ser vendido como romance pode atrair leitores que tenham preconceito contra a autoajuda. "Mas não é isso que faz
um livro vender. O sucesso é
mais misterioso", diz.
A Ediouro teve uma experiência nesse sentido. Há um
ano, lançou o romance de autoajuda "A Arte de Correr na
Chuva". O livro, que empacou
nos 27 mil exemplares, frustrou as expectativas do diretor-executivo André Castro. "Confesso que esperava mais", diz.
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