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Lula critica mau uso da Lei Rouanet
No anúncio do Vale-Cultura, presidente diz que Itaú "não põe um tostão em seu instituto" e pede cinemas na periferia
Cerimônia em São Paulo contou com a presença de artistas, empresários, ministros e o crítico literário Antônio Candido
Ayrton Vignola/Folha Imagem
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Lula e Juca Ferreira se abraçam, observados por índios e Dilma
ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL
Tudo indicava que a noite seria de tapinhas nas costas, propaganda política e show. De fato, foi. Mas o lançamento do
Vale-Cultura, anteontem, na
sede da Fecomercio (Federação do Comércio), em São Paulo, teve também seu momento
de sorrisos amarelos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
discursou contra certos usos da
Lei Rouanet e deixou constrangidos alguns dos presentes.
"As pessoas veem o Itaú [Cultural] e nem sabem que aquilo
não é deles. Aquilo não tem um
tostão do Itaú", afirmou. Minutos antes, a mestre de cerimônias, Zezé Mota, havia agradecido a presença de Milu Vilela,
herdeira do banco, na plateia.
Sobrou também para as empresas que produzem "livro de fotografia enorme, pesado que é
uma disgrama [sic], e que ninguém vê".
Integrante do projeto de reformulação do financiamento à
cultura, o Vale-Cultura traz,
em si, a discussão sobre a falta
de acesso ao que se produz. Não
por acaso, seu lançamento serviu para reiterar a intenção do
governo de mexer na Lei Rouanet, o principal mecanismo de
incentivo cultural do país. O superintendente do Itaú Cultural
observa que, apesar da verdade
do dado -as empresas não aplicam dinheiro próprio em suas
ações-, a crítica de Lula errou
o alvo. "Dos R$ 37 milhões operados pelo Itaú anualmente,
cerca de R$ 18 milhões são de
recursos próprios".
Mas, se houve farpas, houve
também afagos. O governo, antes de lançar o projeto, articulou-se com empresários -tanto que o grupo VR já anunciou
seu Vale-Cultura. "Vamos ter
que trabalhar com os empresários. Meus companheiros sindicalistas vão ter que negociar
isso nos acordos. Se o trabalhador não souber que tem, não vai
usar", disse Lula.
Ideia herdada do intelectual
Sergio Paulo Rouanet, autor da
lei, o Vale-Cultura era, desde o
início do governo Lula, uma
promessa. Juca Ferreira, ministro da Cultura, num discurso emocionado, disse que os cidadãos devem ter "algo além
das necessidades mínimas".
Lula partiu dessa ideia para defender a abertura de salas de cinema e a melhoria na distribuição de filmes. "Não é mais possível o Brasil continuar produzindo coisas de ótima qualidade e ter uma distribuição de
péssima qualidade."
Os artistas, por sua vez, disseram estar apreensivos quanto ao futuro do vale. "Ainda é
um PL. Vai depender da vontade coletiva, da "equação Brasil",
que não é simples", diz o músico Antonio Nóbrega. "Mais difícil do que aprovar é conscientizar a tropa de elite de que isso
deve ser transferido para quem
precisa", disse o cineasta Hector Babenco.
O cantor Chico César, estrela
do show que levou os quatro
cantos do Brasil ao palco, observou que o Vale-Cultura é,
sobretudo, uma mudança de
rota. "Em qualquer área, as políticas públicas são feitas para a
sociedade. Na cultura, são para
o artista. O vale muda isso."
Em meio a tantas falas, uma
voz chamou a atenção pelo silêncio. O professor Antonio
Candido, 90 anos, passou o
evento todo sentado e, no fim,
ao ser abordado pela reportagem da Folha, disse apenas:
"Já passei vergonha o bastante
por hoje", referindo-se a brincadeiras e elogios feitos a ele
pelo presidente. Segundo Lula,
Candido inspirou a noite.
Para definir o Vale-Cultura,
o MinC fez correr por um telão
um texto em que Candido defende que "a fruição da arte e
da literatura em todos os níveis
é um direito inalienável".
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