São Paulo, sábado, 25 de julho de 2009

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Lula critica mau uso da Lei Rouanet

No anúncio do Vale-Cultura, presidente diz que Itaú "não põe um tostão em seu instituto" e pede cinemas na periferia

Cerimônia em São Paulo contou com a presença de artistas, empresários, ministros e o crítico literário Antônio Candido

Ayrton Vignola/Folha Imagem
Lula e Juca Ferreira se abraçam, observados por índios e Dilma

ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL

Tudo indicava que a noite seria de tapinhas nas costas, propaganda política e show. De fato, foi. Mas o lançamento do Vale-Cultura, anteontem, na sede da Fecomercio (Federação do Comércio), em São Paulo, teve também seu momento de sorrisos amarelos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou contra certos usos da Lei Rouanet e deixou constrangidos alguns dos presentes.
"As pessoas veem o Itaú [Cultural] e nem sabem que aquilo não é deles. Aquilo não tem um tostão do Itaú", afirmou. Minutos antes, a mestre de cerimônias, Zezé Mota, havia agradecido a presença de Milu Vilela, herdeira do banco, na plateia. Sobrou também para as empresas que produzem "livro de fotografia enorme, pesado que é uma disgrama [sic], e que ninguém vê".
Integrante do projeto de reformulação do financiamento à cultura, o Vale-Cultura traz, em si, a discussão sobre a falta de acesso ao que se produz. Não por acaso, seu lançamento serviu para reiterar a intenção do governo de mexer na Lei Rouanet, o principal mecanismo de incentivo cultural do país. O superintendente do Itaú Cultural observa que, apesar da verdade do dado -as empresas não aplicam dinheiro próprio em suas ações-, a crítica de Lula errou o alvo. "Dos R$ 37 milhões operados pelo Itaú anualmente, cerca de R$ 18 milhões são de recursos próprios".
Mas, se houve farpas, houve também afagos. O governo, antes de lançar o projeto, articulou-se com empresários -tanto que o grupo VR já anunciou seu Vale-Cultura. "Vamos ter que trabalhar com os empresários. Meus companheiros sindicalistas vão ter que negociar isso nos acordos. Se o trabalhador não souber que tem, não vai usar", disse Lula.
Ideia herdada do intelectual Sergio Paulo Rouanet, autor da lei, o Vale-Cultura era, desde o início do governo Lula, uma promessa. Juca Ferreira, ministro da Cultura, num discurso emocionado, disse que os cidadãos devem ter "algo além das necessidades mínimas". Lula partiu dessa ideia para defender a abertura de salas de cinema e a melhoria na distribuição de filmes. "Não é mais possível o Brasil continuar produzindo coisas de ótima qualidade e ter uma distribuição de péssima qualidade."
Os artistas, por sua vez, disseram estar apreensivos quanto ao futuro do vale. "Ainda é um PL. Vai depender da vontade coletiva, da "equação Brasil", que não é simples", diz o músico Antonio Nóbrega. "Mais difícil do que aprovar é conscientizar a tropa de elite de que isso deve ser transferido para quem precisa", disse o cineasta Hector Babenco.
O cantor Chico César, estrela do show que levou os quatro cantos do Brasil ao palco, observou que o Vale-Cultura é, sobretudo, uma mudança de rota. "Em qualquer área, as políticas públicas são feitas para a sociedade. Na cultura, são para o artista. O vale muda isso."
Em meio a tantas falas, uma voz chamou a atenção pelo silêncio. O professor Antonio Candido, 90 anos, passou o evento todo sentado e, no fim, ao ser abordado pela reportagem da Folha, disse apenas: "Já passei vergonha o bastante por hoje", referindo-se a brincadeiras e elogios feitos a ele pelo presidente. Segundo Lula, Candido inspirou a noite.
Para definir o Vale-Cultura, o MinC fez correr por um telão um texto em que Candido defende que "a fruição da arte e da literatura em todos os níveis é um direito inalienável".


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