São Paulo, quarta-feira, 25 de agosto de 2004

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A soma de tudo

Sergio Zacchi/Folha Imagem
O escritor e quadrinista Lourenço Mutarelli, autor de "O Cheiro do Ralo", que tem seu trabalho levado para o cinema e para o teatro


Lançamento de romances, filmes e peças de teatro resgatam Lourenço Mutarelli dos quadrinhos marginais

DIEGO ASSIS
DA REPORTAGEM LOCAL

Se a vida é feita de ciclos, como diz acreditar o quadrinista Lourenço Mutarelli, 40, então o que começa agora talvez seja um dos mais ricos de toda a sua carreira.
Mantido à margem das belas artes nacionais durante mais de dez anos, por suas histórias em quadrinhos violentas e, à primeira vista, nem tão "belas" assim, o autor de "Transubstanciação" (91) e vencedor de sete prêmios HQ Mix tem colhido os louros de seu recente mergulho no campo da literatura, com o romance "O Cheiro do Ralo", de dois anos atrás.
Além de "Cheiro", que acompanha o fluxo de pensamento de um vendedor de antigüidades às voltas com um ralo entupido no banheiro de sua loja, Mutarelli conta que já tem dois romances concluídos, além de uma peça de teatro e as animações para o longa-metragem "Nina", de Heitor Dhalia, que estréia em novembro.
Sob a direção do mesmo Dhalia e com roteiro de Marçal Aquino, "O Cheiro do Ralo" também deve parar nos cinemas, com Selton Mello no papel principal e início das filmagens previsto para janeiro de 2005. ""O Cheiro do Ralo" me fez repensar os quadrinhos. Essa relação que tenho tido com o cinema é uma realidade bem diferente do que sempre passei", afirma o desenhista e escritor, que costumava depender do bom desempenho de seus álbuns anuais para fechar as contas em casa.
"Não vou dizer que estou feliz com meus quadrinhos, porque não estou. Preciso resolver melhor meu desenho. Mas estou feliz com o que estou escrevendo", pondera. "Quadrinhos é uma coisa que ninguém mais respeita, ninguém lê, feita só para aquele mundo de poucos iniciados."
Assim, no intervalo entre uma HQ e outra -a atual é "Caixa de Areia", que começou a escrever ao descobrir sua paixão repentina por gatos-, Mutarelli vem equilibrando suas experiências com as novas linguagens. "Jesus Kid", livro sobre um escritor de westerns de bolso para bancas, "é bem divertido, talvez a primeira coisa que eu faço com final feliz".
Outro romance que já tem seu ponto final e está em negociação com editoras é "Natimorto", que aposta em uma experimentação formal ainda maior e vinha sendo criado desde a época de "A Soma de Tudo", última parte da trilogia de álbuns de HQs lançadas pela Devir nos 2000.
Por fim, a peça de teatro "O que Você Foi Quando Era Criança?", montada pelo grupo Cia. da Mentira, egresso do CPT de Antunes Filho, tem estréia prevista para outubro e enredo "à teatro do absurdo". "Consegui a obra completa do Ionesco. Queria quadrinizar uma obra dele, mas ainda estou negociando os direitos", adianta.
Mais que fonte para novos quadrinhos, os atuais projetos serviram para colocar ordem na rotina de Mutarelli, até pouco tempo atrás um workaholic assumido que usava a prancheta como divã para seus problemas pessoais, que incluíam uma síndrome do pânico mal resolvida e traços de esquizofrenia. "Era como se eu fosse uma caneta nanquim, um mero instrumento dessa necessidade de fazer quadrinhos. Trabalhava 18 horas por dia, e essa relação estava me incomodando, por ser uma coisa obsessiva", lembra. "Mas agora me libertei, tem um horário em que eu paro e vou fazer outras coisas. Parece que acabei descobrindo prazer no ócio."
Reconhecimento profissional, a grana entrando, mulher, filho e (novidade) gatos para criar. Então, no final das contas, o quadrinho finalmente curou Mutarelli? "Acho que curou, mas o mundo está muito mais louco. O mundo aceita o meu quadrinho, e eu estou mais saudável, mentalmente falando. Sempre achei que fosse morrer com 20 anos, depois com 30, depois com 40. Agora, quero viver até os 60 pelo menos!"
Mas avisa: "Quando eu estive no inferno, fiz um mapa, então posso voltar quando eu quiser. E eu volto sempre. É onde eu bebo".


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