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TEATRO
Newton Moreno dirige em São Paulo espetáculo que adaptou da obra do sociólogo, com a Cia. Os Fofos Encenam
Espetáculo recria "assombrações" de Gilberto Freyre
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Apesar da voga populista no
país, o dramaturgo Newton Moreno, 35, não se acanha com o povo. Essa gente que fala a mesma
língua é fonte de histórias e tradições que se cruzam e firmam ascendência no corpo de suas peças.
Depois de "Agreste" (2004), o
premiado texto no qual já evidenciava o movimento de volta às origens, a Zona da Mata de Pernambuco, o autor radicado há 14 anos
em São Paulo evoca a cidade natal
em "Assombrações do Recife Velho", adaptação do livro homônimo do sociólogo e antropólogo
Gilberto Freyre (1900-1987).
É o próprio Moreno quem dirige o espetáculo que estréia amanhã em São Paulo, com seu grupo
Os Fofos Encenam. Ocupam um
espaço não-convencional coerente com o obra de Freyre: o Casarão Belvedere, construído em
1927 no atual bairro da Bela Vista.
Não era por acaso que o Recife
Antigo tinha uma rua chamada
Encantamento. Em sua passagem
pelo jornal "Província", no final
dos anos 1920, Freyre se interessou pela história de um homem
que pedia ajuda para expulsar os
fantasmas de sua casa. Eram comuns as queixas mal-assombradas na polícia, herança do Império que grassava na voz dos contadores. Daí a inspiração do sociólogo para ir a campo e escrever sobre as almas sebosas que atazanavam a vida dos moradores (o livro
é de 1955). A montagem de Moreno transpõe a rua do Encantamento para o casarão e abre passagem para os causos curtidos na
fricção com o sobrenatural. O espetáculo descarta a itinerância e
põe dez atores diante de 25 espectadores por sessão.
São narrativas populares de
personagens como o lobisomem,
o papa-figo e o boca-de-ouro; ou
situações como os gritos noturnos dos negros açoitados até a
morte no Sítio da Capela; o tesouro escondido pela judia Branca
Dias nos tempos da Inquisição e
as súplicas dirigidas à cruz do patrão, onde foram fuzilados revolucionários e negros em fuga.
"Um morto que procura um vivo, um vivo que procura um morto: é assim que se passa o espetáculo nesse lugar encantado", diz
Moreno, que deseja o equilíbrio
entre humor e mistério.
Nas entrelinhas das crendices
recolhidas por Freyre, o dramaturgo se apropria de pelo menos
duas veredas possíveis: as intermitentes consciências da morte e
a cicatriz da escravidão.
Moreno adaptou "Assombrações..." em 2003, como projeto da
Bolsa Vitae. Além do livro-fonte,
foi a campo durante três meses
para ver se encontrava resquícios
dessas superstições. Afinal, a cidade não é só dos homens. Viu que
Recife não é mais a mesma. Restam-lhe alguns casarões antigos,
sim, mas mudou a luz. Não há
mais "o silêncio morno da meia-noite", como diz um personagem.
Contudo, resiste a oralidade que
faz das assombrações um modo
de ser do Recife. Moreno agregou
novas histórias, por exemplo,
conversando com uma nora de
Freyre. O intelectual não está representado em cena. Ele surge
fragmentado em muitos personagens, entre eles um entrevistador.
É como se um espectro a mais
rondasse o casarão.
Parte dos integrantes da Cia. Os
Fofos Encenam é embrionária da
Unicamp. O grupo atua profissionalmente desde 2000. "Assombrações..." é sua terceira peça e foi
contemplada em 2004 pelo Programa de Fomento ao Teatro para
a Cidade de São Paulo.
A ocupação do Casarão Belvedere, até outubro, prevê temporada das outras duas peças do repertório: "Deus Sabia de Tudo e
Não Fez Nada" (2000) e "A Mulher do Trem" (2003).
Assombrações do Recife Velho
Quando: estréia amanhã, às 21h; qui. a
sáb., às 21h; dom., às 19h; até 13/11
Onde: Casarão do Belvedere (r. Pedroso,
267, Bela Vista, SP, tel. 0/xx/11/3842-5522)
Quanto: R$ 10
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